29 de setembro de 2015

Vocês se dão conta do que fizeram?

     

Vocês se dão conta do que fizeram? ─ perguntou hoje Vladimir Putin na inauguração da 70ª Assembleia das Nações Unidas.

O presidente russo lembrava que ─ com o fim da Guerra Fria e a dissolução da União Soviética ─ o mundo encontrou uma oportunidade para finalmente viver uma era de paz.

A resposta de Barack Hussein Obama tanto pode ser interpretada como o fruto de uma postura arrogante e hipócrita, típica de uma sociedade que vem desde há algum tempo mergulhada numa cultura isolacionista e que se rendeu ao mito de sua própria “excepcionalidade”, como a expressão de uma doença esquizofrênica que tende a ser indicativa de uma progressiva decadência.

Barack O’Bomber respondeu então com o velho brocardo ianque do Destino Manifesto de que os Estados Unidos, como uma sociedade avançada que se conduz pelos princípios da lei e do direito, tem o dever de atuar para que estes sejam respeitados.

Estas palavras foram ditas pelo presidente de um país que desde o final da II Guerra Mundial bombardeou, invadiu, organizou complôs para a desestabilização ou derrubada de governos na China (de 1945 a 1960), Itália (1947 e 1948), Grécia (de 1947 até o começo de 1950), Filipinas (dos anos 1940 até os anos 1950), Coreia (de 1945 até 1953), Europa Oriental (de 1945 até 1956), Irã (1953), Guatemala (1953 e 1954), Síria, Oriente Médio e Indonésia (1957 e 1958), Europa Ocidental (nos anos 1950 e 1960), Guiana Inglesa (de 1953 até 1964), União Soviética (do final dos anos 1940 até os anos 1960), Vietnã (de 1950 até 1973), Camboja e Laos (de1955 até 1973), Equador (de 1960 a 1963), Brasil (de 1961 a 1964), República Dominicana (de 1960 a 1965), Cuba (de 1959 a 1980), novamente a Indonésia em 1965, Uruguai (de 1964 a 1970), Chile (de 1964 a 1973), de novo a Grécia entre 1964 e 1973, Bolívia (entre 1964 e 1975), Iraque (entre 1972 e 1975), Austrália (entre 1973 e 1975), Zaire (entre 1975 e 1978), Angola (de 1975 aos anos 1980), Jamaica (de 1976 a 1980), Granada (entre 1979 e 1984), Líbia (entre 1981 e 1989), Nicarágua (de 1979 a 1990), Panamá (entre 1969 e 1991), Bulgária em 1990 e Albânia em 1991, novamente o Iraque entre 1990 e 1991, Afeganistão (de 1979 a 1992), El Salvador (entre 1980 e 1994) e Haiti (entre 1986 e 1994) ─ isto para ficarmos apenas no período da Guerra Fria, decorrido no século 20.

A despeito do sincero sentimento democrático alardeado pelo presidente norte-americano, o século 21 não esquecerá a invasão do Iraque em 2003 sob o pretexto da destruição das armas químicas e biológicas de Saddam Hussein  ─ que jamais foram encontradas ─, a ocupação do Afeganistão para uma luta hoje considerada perdida contra o Talibã e a aniquilação do mais avançado sistema de seguridade social do Terceiro Mundo, na Líbia, agora sob as escusas da derrubada de um tirano.

Todas essas informações constam do livro Killing Hope ─ US Military and CIA Interventions Since World War II (Matando a Esperança Intervenções Militares dos Estados Unidos e da CIA desde a II Guerra Mundial, em tradução livre), uma vasta documentação com quase 500 páginas levantada pelo historiador William Blum sobre as decorrências do que Barack O’Bomber considera ser o esforço ianque de trazer paz e harmonia ao mundo inteiro.

Milhões de vidas foram perdidas, países inteiros como o Camboja, o Vietnã e o Laos foram arrasados com armas químicas como o napalm e os Estados Unidos sequer saíram vitoriosos após produzir tanta destruição, o que ainda assim não os convenceu a abandonar a estratégia. A mais recente destas desastrosas empreitadas foi a derrubada do presidente da Ucrânia, Viktor Yanukóvych, depois de uma operação que custou aos bolsos dos cidadãos americanos ─ segundo a subsecretária de Estado Victoria Nuland ─  a soma de cinco bilhões de dólares.

A pergunta de Putin é muito simples. Vocês se dão conta da tamanha destruição, do ódio e do caos que semearam na Terra?

A resposta de O’Bomber ─ expressa em sua postura de pró-cônsul romano ─ foi clara e fria. O colonialismo acabou: nós agora somos o império que regerá o planeta.

O discurso de O’Bomber levanta ainda uma outra pergunta: na condição do chefe de estado que ostenta um dos piores ─ senão o pior ─ índice de aceitação popular da história americana e ao mesmo tempo sendo constantemente confrontado pelos neocons de Washington, que na verdade e sob o comando de Israel ditam a política externa americana, não estaria o presidente afro-americano falando mais para a sua própria população e tentando apresentar uma aura de comando e autoridade sob o governo que efetivamente não possui?

Se os espectadores desse belicoso discurso resolverem driblar a estrita segurança e conversar nas ruas com o povo americano, talvez obtenham outras esclarecedoras respostas.

 

Sérvulo Siqueira