29 de abril de 2011

 

As razões da derrubada de Khadafi

 

Um artigo de Manlio Dinucci no Il Manifesto, da Itália, publicado no último dia 22 de abril , lança algumas luzes sobre os obscuros motivos da intempestiva invasão da Líbia por algumas potências coloniais. À parte as já conhecidas razões de ordem estratégica – reservas de petróleo estimadas em 60 bilhões de barris e gás natural calculado em 1 bilhão e meio de metros cúbicos – os grandes fundos soberanos do pequeno país africano também teriam atraído o apetite dos abutres do novo colonialismo americano-europeu. 

Dinucci avalia que os fundos soberanos da Líbia, que são os recursos que um País acumula em moeda estrangeira, podem superar hoje a soma de US$150 bilhões, se forem considerados os investimentos externos do Banco Central e de outros órgãos do governo. Segundo o analista, desde 2006 – quando foram estabelecidosos fundos soberanos líbios cresceram da quantia de US$40 bilhões até as atuais provisões, mercê de investimentos realizados em cerca de uma centena de companhias no Norte da África, Ásia, Europa, Estados Unidos e América do Sul em uma ampla variedade de negócios: grandes corporações, bancos, imóveis, petróleo e outros.  

Para ilustrar a extensão dos negócios em que a Líbia de Khadafi está envolvida, Dinucci cita o seu próprio país, a Itália, onde grandes e conhecidas empresas como a Finmeccanica e a ENI – além do time de futebol do Juventus de Turim – contam com a participação acionária de recursos do país africano que está sendo agora invadido pela OTAN. Desde 2004, o governo de Khadafi vem mantendo um superavit na sua balança comercial com o estrangeiro da ordem de US$30 bilhões, o que lhe possibilita uma política de investimentos externos. A imensa disponibilidade de recursos criou um grande problema político e administrativo para Khadafi porque permitiu uma larga margem de corrupção entre seus ministros, muitos dos quais se voltam no momento contra seu antigo chefe e apóiam os auto-proclamados rebeldes. Para conter este grande desvio de recursos públicos, o coronel – utilizando o poder que mais de 40 anos de ditadura sobre o país lhe faculta – determinou que US$30 bilhões de recursos provenientes do petróleo deveriam se destinar "diretamente ao povo da Líbia".

Ainda segundo Manlio Dinucci, mais do que a perspectiva de pilhagem dos recursos energéticos da Líbia, o que atraiu a atenção imediata dos países invasores foi o volume desses fundos soberanos. Segundo um telegrama liberado pelo site Wikileaks, foi o próprio representante da Empresa Líbia de Investimento, Mohamed Layas, quem informou diretamente ao embaixador americano em Trípoli, em 20 de janeiro de 2011, que a agência havia depositado US$32 bilhões em bancos americanos. Cinco semanas depois, o Departamento do Tesouro americano "congelou" essas contas. Segundo especialistas, trata-se da "mais alta soma de recursos já bloqueada nos Estados Unidos". Naturalmente, os americanos alegam que esses valores "serão preservados com vistas a serem usados para o futuro da Líbia" mas – conhecendo os procedimentos anteriores dos Estados Unidos como quando "congelou" recursos do Iraque, que até hoje são reclamados pelo governo do País islâmico – sabemos que isto nunca vai acontecer. Certamente, este capital representará por um tempo uma injeção de saúde financeira na combalida economia norte-americana. Na mesma linha desse raciocínio baseado na rapina, a União Européia, outra economia em frangalhos, também "congelou" 45 bilhões de Euros de fundos soberanos deste pequeno país do norte da África.

Os contínuos protestos de mais de 50 nações da União Africana mostram que estas medidas terão um impacto imediato no continente, especialmente na região subsaariana, onde o coronel Khadafi planejava aumentar os seus investimentos nas áreas de mineração, manufatura, turismo e telecomunicações de 25 países. Os investimentos líbios foram cruciais para a implementação do Rascom, o primeiro satélite de telecomunicações da África, que entrou em órbita em agosto de 2010, permitindo que os países do continente se libertassem do monopólio americano e europeu da informação e pudessem economizar, assim, centenas de milhões de dólares. 

De acordo com Dinucci, os investimentos da Líbia destinados à implementação de três instituições financeiras da União Africana – o Banco Africano de Investimento, sediado em Trípoli; o Fundo Monetário Africano, baseado em Yaoundé na República dos Camarões e o Banco Central Africano estabelecido em Abuja na Nigéria serão ainda mais importantes para o futuro do continente. Caso as potências coloniais da Europa e os Estados Unidos sejam bem-sucedidos em seu plano de assassinar Khadafi e derrubar o seu regime, os países da África serão obrigados a voltar ao controle do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial,. sinistros instrumentos da dominação neocolonial.

Neste sentido, o congelamento dos fundos representa mais um golpe que os Estados Unidos e seus aliados europeus impõem aos países do Terceiro Mundo. Nota-se, assim, que mesmo depois de passado muito tempo a velha estratégia colonial não mudou nada: se em outros tempos brandia-se a Bíblia em u'a mão e a espada na outra, hoje os falsos pregoeiros alegam "razões humanitárias" enquanto os recursos de um povo sofrido são pilhados e obstaculizado o seu legítimo desenvolvimento.

Filho natural da África islâmica, o presidente norte-americano Barack Hussein Obama poderia encontrar uma pausa em seus múltiplos afazeres – enquanto bombardeia o Iraque, o Afeganistão e o Paquistão – para refletir sobre o mal que está perpetrando contra o seu povo de origem. Talvez em seu esforço para agradar os brancos – que afinal, permitiram que se sentasse numa cadeira tão cobiçada – ele já tenha perdido a noção de sua identidade. Ou, então, como observou o próprio Khadafi durante a campanha eleitoral americana de 2008, para se tornar mais "branco" do que os próprios brancos Barack O'Bomb vá ainda mais além em suas maldades.

 

Sérvulo Siqueira