18 de julho de
2014
Falsas bandeiras e cortinas de fumaça
A
quem interessava o recente sequestro de três adolescentes nos
assentamentos ilegais de Israel? Certamente não ao Hamas e ao Fatah,
organizações que tem uma posição de liderança nos territórios ocupados
de Gaza e da Cisjordânia e que, após um longo período de disputas e
conflitos, haviam acabado de celebrar um acordo para um governo de
unidade.
Embora a ação tenha sido negada com veemência por esses movimentos, foi
com muita surpresa que o mundo viu o primeiro ministro de Israel
acusá-los como culpados pela ação e, em seguida, deflagrar uma violenta
operação de bombardeio que já matou até o momento mais de 200 seres
humanos, 80 % deles inocentes civis, mulheres e crianças em sua maioria.
No
momento em que milhares de manifestantes saíram às ruas em várias partes
do mundo para protestar contra a matança indiscriminada, o Estado
Islâmico, milícia armada que vem se apoderando de várias regiões do
Iraque se declarou responsável pelo assassinato dos três adolescentes
israelenses. Poucos dias depois, o analista de sistemas Edward Snowden –
que trabalhou na Agência de Segurança dos Estados Unidos ‒ dava conta
que esta mesma milícia foi criada pelo Mossad, organismo de espionagem e
contraespionagem de Israel.
A
confissão não produziu nenhuma alteração na atitude de Netanyahu que
insatisfeito com os resultados e pretextando o rompimento de um
cessar-fogo unilateral, que não havia sido aceito pelo Hamas, ordenou
então, ‒ contra a imensa maioria da opinião pública internacional ‒ uma
invasão terrestre da Faixa de Gaza, um enclave que apresenta a maior
densidade populacional do planeta e é considerado o maior campo de
concentração a céu aberto da Terra.
No
mesmo dia em que teve início a invasão terrestre de Gaza ‒ para a qual
foram convocados mais de 45 mil reservistas ‒ um avião da Malaysian
Airlines foi abatido quando sobrevoava o território da Ucrânia. Com a
súbita e inesperada morte de 280 passageiros e 15 tripulantes, a opinião
pública assim como a cobertura de toda a imprensa corporativa mundial
passaram a ser repentinamente desviadas do horrendo genocídio do Oriente
Médio para o leste da Europa, onde os Estados Unidos ‒ após terem
patrocinado um golpe de estado contra um governo democraticamente eleito
‒ tentam implantar um regime que compreende a participação de um terço
de nazistas do Partido de Direita e das Milícias Svoboda e apresenta um
gabinete de ministros curiosamente liderado por um judeu.
Como
num script previamente encenado, todos os meios de comunicação
corporativos se apressaram ‒ sem nenhuma prova documental ‒ em
responsabilizar os federalistas do leste da Ucrânia, que formaram uma
república autônoma e são atualmente alvo de intenso bombardeio por parte
do esfacelado exército da Ucrânia, cujos soldados têm se recusado a
participar dos combates por não concordar com uma luta fratricida.
Muitas hipóteses têm sido levantadas sobre mais este sinistro episódio
envolvendo a Malaysian Airlines, já que há alguns meses uma outra
aeronave da companhia desapareceu misteriosamente e as buscas continuam
sem qualquer sucesso até o momento, mas o episódio desviou
momentaneamente o foco das atenções do morticínio programado de Gaza
para a queda de um avião na Ucrânia, que tudo leva a crer também foi
programada. Sabe-se que, em nenhuma circunstância, interessaria aos
federalistas do leste da Ucrânia a derrubada de um avião de passageiros,
especialmente no instante em que vêm somando vitórias tanto no plano
político quanto militar contra o combalido governo de Poroshenko.
O
objetivo mais provável da ação criminosa seria criar uma situação de
insegurança que proporcionasse uma resolução do Conselho de Segurança
das Nações Unidas ou ‒ o que seria ainda pior ‒ a intervenção da OTAN,
aliança de guerra comandada pelos
Estados Unidos, sob o falso pretexto de “ação humanitária”, tal
como ocorreu na Líbia com consequências desastrosas.
Trata-se provavelmente de mais uma cortina de fumaça ou uma operação de
falsa bandeira (false flag, em inglês), estratégia em que os Estados
Unidos são mestres já que a desenvolvem no mínimo há mais de 100 anos,
desde as guerras de independência de Cuba e das Filipinas contra a
Espanha no final do século 19, e que consiste na criação de um fato ‒
nem sempre verdadeiro ‒ que leva a uma intervenção militar.
Um
episódio mais recente, deliberadamente provocado pelos EUA, ocorreu no
Golfo de Tonkin em 1964, quando o governo americano alegou que o
destroyer Maddox havia sido atacado por torpedeiros norte-vietnamitas.
Mais tarde, comprovou-se que o incidente jamais aconteceu e a falsa
bandeira havia sido levantada para que pudesse desencadear uma maior
intervenção no país, o que resultou no bombardeio do Vietnã do Norte e
na subsequente escalada da guerra, que viria a terminar em 1975 com a
derrota dos Estados Unidos.
Ontem como hoje, os EUA e seus aliados persistem em produzir falsas
bandeiras e cortinas de fumaça. Entretanto, alguma coisa mudou: enquanto
no passado uma grande parte da população mundial via com simpatia a luta
dos judeus por uma pátria e um território da mesma forma que simpatizava
com a pregação americana por uma sociedade democrática e um regime
capitalista baseado na livre competição, hoje há na verdade muito poucos
que ainda acreditam na sinceridade desse propósito.
Os
ignominiosos crimes praticados pelo Exército de Defensa de Israel (IDF,
por sua sigla em inglês) a mando de notórios genocidas como Ariel Sharon
e Benjamin Netanyahu, entre outros, e a postura norte-americana de
patrocínio de incontáveis golpes de estado, revoluções coloridas, falsas
primaveras árabes e brutais invasões de países como a antiga Iugoslávia,
Iraque, Afganistão, Líbia e Siria com a intenção de saque e pilhagem,
combinada à criação de uma economia americana cada vez mais alicerçada
no poder da indústria militar e dos bancos, terminou por desacreditar
completamente as falsas boas palavras desses países.
A
mais recente prova dessa total falta de confiança na política americana
acaba de ser dada com a reunião entre 16 chefes de estado
latino-americanos e os dirigentes dos países do BRICS (Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul). A proposta de criação de um banco de
desenvolvimento como uma alternativa à política chantagista do Fundo
Monetário Internacional e do Banco Mundial, além dos
inúmeros grandes projetos que a China e a Rússia desenvolvem com os
países da região, começa a gerar um sentimento crescente de que os
gringos já não tem a mesma força que tinham por aqui.
Quanto a Israel, até mesmo seus antigos aliados consideram que a
contínua divulgação dos crimes que comete terminará levando esse estado,
criado sob uma ideologia genocida, a um completo isolamento.
Sérvulo Siqueira
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