18 de julho de
2012
Nenhum país caracterizou melhor as contradições da nossa época do que os
Estados Unidos da América. Apresentando-se como o paladino da liberdade
e da democracia, é a nação em toda a face da Terra que possui o maior
número de prisioneiros – mais de dois milhões de reclusos vivendo em
universos concentracionários sob administração privada onde a tortura
não somente é admitida mas até entronizada como uma prática de Estado.
Por
outro lado, os EUA sustentaram e ainda vêm sustentando toda a sorte de
brutais e sanguinárias ditaduras no globo terrestre, como foram os casos
dos regimes de Suharto e Ferdinando Marcos, na Indonésia e nas
Filipinas, além de dezenas de governos militares na América Latina, na
África e até mesmo na Europa. Nos dias de hoje, o país é o principal
aliado do mais cruel sistema de poder existente: a Arábia Saudita, e
apoia com seus aviões não tripulados, recursos financeiros, forças
especiais e equipamento militar os regimes discricionários do Bahrein e
do Iêmen, entre outros.
O
país hasteou a bandeira da luta contra o terrorismo mas, no entanto,
desde principalmente a segunda metade do século 20 vem patrocinando
sistematicamente grupos e ações terroristas visando desestabilizar seus
inimigos. Proclama-se o defensor do livre exercício da informação mas
não se peja em demonizar os seus adversários pespegando-lhes as mais
ignominiosas calúnias para desacreditá-los perante a opinião pública.
Durante um longo tempo, acusou seu antigo aliado Saddam Hussein de
possuir armas químicas e biológicas de destruição em massa que nunca
puderam ser comprovadas. Entretanto, são os mesmos Estados Unidos o país
que as possui em maior número e se recusam a assinar qualquer protocolo
ou tratado que pretenda a sua eliminação. O mesmo ocorre em relação ao
meio ambiente, embora não se cansem de chamar a atenção de nações que
poluem a natureza.
No
capítulo dos tratados, os EUA são exemplares já que – como se sabe –
mesmo quando chegam a assinar algum acordo jamais se dispõem a
cumpri-lo. Embora se julguem no direito de sequestrar qualquer cidadão
em toda a parte, nunca permitem que seus funcionários – acusados muitas
vezes de crimes contra a humanidade – sejam julgados pela justiça de
outros países.
Depois de terminado o conflito, os EUA adotaram um modelo de política
externa que – conduzido frequentemente sob a égide da CIA, organismo de
espionagem criado na Guerra Fria – incorporou os mais caros objetivos do
nazismo.
Naturalmente, essa política era apresentada como a mais bem acabada
representação da democracia e do mundo livre, contrapondo-se ao obscuro
e totalitário socialismo soviético. Mais por culpa dos próprios russos
do que propriamente por suas virtudes, o projeto de um “capitalismo
aberto e competitivo” acabou por sair vencedor.
E
foi então que se viu que a sociedade democrática ocidental não tinha
nada de democrática. O sistema competitivo baseado no livre
empreendimento não apresentava nada de livre: era apenas um jogo
previamente definido de cartas marcadas em que o grande – e na maior
parte das ocasiões somente o muito grande – ganhava invariavelmente.
Assistiu-se então – principalmente na década de 90 do século passado – à
verdadeira depredação de vastas regiões do planeta, privatizadas por
políticos corruptos e entregues à sanha do capitalismo selvagem.
Riquezas de muitos países pobres foram pilhadas em nome da livre
empresa, levando nações inteiras à miséria e à guerra civil.
Sempre que isso ocorria, este cruel modelo se servia da Organização da
Nações Unidas que, com seus capacetes azuis, se encarregava de ocupar
militarmente a conturbada região e entregá-la ao apetite dos
investidores estrangeiros para a usurpação das suas riquezas naturais.
Essa
estratégia tem sido aplicada em quase toda a África, partes da Ásia e da
Europa, na Grécia, Espanha, Portugal, Itália e Irlanda entre outros, tal
como aconteceu na América Latina, que desde há pouco pouco parece
demonstrar que aprendeu essa dura lição.
As
crises que eclodiram nos Estados Unidos – a partir de 2008 – e na Europa
desde 2010 são o resultado do processo de concentração de poder e
riqueza nas mãos de um pequeno grupo de investidores, em geral
parasitários banqueiros internacionais e especuladores de todo o tipo
entranhados em atividades criminosas como tráfico de drogas e de órgãos
humanos, lavagem de dinheiro, treinamento e contratação de mercenários,
grilagem de terras, roubo, etc. Muitos dos representantes dessas
atividades são figuras proeminentes do poder neoliberal, como é o caso
do sátrapa americano para o Kosovo, acusado recentemente de traficar
órgãos humanos.
Segundo diversos analistas, de cada dez dólares americanos somente um
único dólar é investido em atividades produtivas e assim a pobreza e a
miséria passaram a grassar em algumas das mais prósperas regiões do
planeta, chegando a aumentar significativamente no país irradiador desse
modelo, os Estados Unidos da América.
Subitamente mergulhadas na pobreza e na miséria, as populações dessas
nações saíram às ruas para reclamar melhores condições de vida e foi
então que se viu a outra face deste que se apresentava como o mais justo
e democrático modelo de sociedade: manifestações pacíficas de milhões de
pessoas estão sendo reprimidas com bombas de gás lacrimogêneo e de
pimenta, choques elétricos, prisões sumárias sem julgamento,
procedimentos que tentam calar a qualquer preço a legítima voz dos
cidadãos.
Apesar de negarem e restringirem direitos sociais e de trabalho, muitos
governos da Europa, Japão e Israel – que em alguns casos sequer foram
eleitos democraticamente – fortalecem cada vez mais os seus sistemas de
segurança, redes de espionagem e aparato militar com o objetivo é
exercer uma forma de opressão sobre os povos.
Talvez o mais sinistro indício desse sistema de poder seja a Organização
do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que hoje se dedica a derrubar
governos pouco simpáticos para permitir que alguns países membros da
organização – França, Alemanha e Inglaterra, principalmente – se apossem
das vastas riquezas estratégicas naturais e da infraestrutura dos países
conquistados pela força. Este foi o caso do Afeganistão, da Líbia no ano
passado e no momento está em curso o processo de desestabilização da
Síria, país de especial interesse para os Estados Unidos e Israel, por
sua aliança com a Rússia e o Irã.
Ainda que não tenha sido bem-sucedido até o momento, o soturno conúbio
entre os Estados Unidos, a OTAN, Israel, a Turquia, a Arábia Saudita e
outras pequenas ditaduras monárquicas do Golfo Pérsico – prevalecendo-se
do já desacreditado expediente das “ações humanitárias” – conseguiu
mergulhar a nação síria em um sangrento conflito cujas consequências
persistirão ainda por um longo tempo.
Em
seu processo de desintegração da nação do Oriente Médio, esse eixo
sinistro tem se valido de todos os expedientes, desde atentados
terroristas em vias públicas, ataques a prédios do governo e também
assassinatos programados de indefesas populações civis, sempre
atribuindo esses atos sórdidos à ação do governo sírio. Até mesmo
notórios aliados como a imprensa corporativa e o ex-secretário geral da
ONU, Kofi Annan, um fiel serviçal do diktat ianque, têm tido dificuldade
em camuflar ou justificar tanta ignomínia.
Após
30 anos, a globalização neoliberal já parece um sistema de poder
injusto, corrupto e ineficaz. Quem conhece um pouco a cultura americana
sabe que os Estados Unidos não são uma nação com competência e
capacidade para administrar com equilíbrio uma relação harmoniosa entre
os povos, em razão do pouco conhecimento que possuem de outras nações
com formação não anglo-saxônica protestante. Vivendo em um país com
apenas duas nações fronteiriças – já que o Alasca está muito distante da
maior parte do seu território e é pouco habitado – o americano médio,
mantido sob um férreo controle de desinformação, sequer estuda as
cadeiras de História das Civilizações e de Geografia Geral e, portanto,
tem pouca informação sobre as distantes regiões do globo onde o seu país
desencadeia guerras coloniais.
Este
cidadão médio, ignorante e propositalmente desinformado, é levado a
acreditar nos propósitos alardeados por seu governo, geralmente
manipulado por poderosos grupos econômicos de pressão como o chamado
complexo industrial-militar e o onipresente lobby judeu do Comitê
Americano Israelense de Negócios Públicos (AIPAC, na sigla em inglês).
Em
meio a todo este cenário, não tardou muito para que a globalização
neoliberal – preparada como uma fina iguaria da cultura anglo-saxã –
começasse a ser envenenada por políticas inadequadas e arbitrárias,
conduzidas sob o mandato do militarismo e em nome do interesse exclusivo
de alguns grupos que ameaçam hoje levar o mundo a uma nova conflagração.
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Sérvulo Siqueira |