15 de novembro de 2023

Os grandes cemitérios sob a Lua*

 

No final do filme Lawrence da Arábia, que narra como o colonialismo inglês – com o apoio dos franceses – dividiu entre si o Oriente Médio, o político inglês Dryden (Claude Rains), ao deixar uma sala de reunião, se depara com o jornalista Lowell Thomas, que lhe pergunta por Lawrence (Peter O’Toole). O político responde que o que está ocorrendo na sala é um conflito de personalidade entre Lawrence e o general Edmund Allenby (Jack Hawkins). E acrescenta:

Um é meio louco e o outro é totalmente sem escrúpulos.

Esta parece ser exatamente a situação que determina no momento a continuidade do massacre em curso na Palestina, perpetrado pelo exército de Israel.

De um lado, temos um presidente de um poderoso país (Joseph Biden) que apresenta claros sinais de confusão mental e, de outro, um político sem nenhuma integridade moral, considerado também como um contumaz mentiroso (Benjamin Netanyahu), que luta para escapar da cadeia e se aferra a uma estratégia de aniquilamento do adversário como um meio para sobreviver na vida pública.

 A união entre estas duas personalidades produziu até o momento um dos episódios mais tenebrosos da história contemporânea: o assassinato de cerca de 12 mil habitantes do enclave colonial de Gaza: o maior campo de concentração do planeta, de onde nenhum palestino pode sair e para onde somente se pode entrar com autorização do estado de Israel.
Desde o último dia 7 de outubro, o mundo vem assistindo ao bombardeio de casas, prédios de apartamentos, escolas, universidades, mesquitas, 87 ambulâncias e padarias de uma pequena faixa de terra – chegando nos últimos dias até o ataque a diversos hospitais, com a consequente explosão de centros cardiológicos, depósitos de comida, etc. – sob o argumento de que com isto se está liquidando o inimigo, o braço militar do partido Hamas.

A realidade, no entanto parece muito distante desta estimativa e a verdade está indicando que a vitória de Israel sobre seu adversário político e militar não está tão próxima como vem sendo amplamente propalada pelos meios de comunicação sionistas, que exercem controle sobre quase todos os veículos de informação do planeta.

Como parte desta tática, a máquina de propaganda sionista já apresentou provas de que os porões do Hospital Al Shifa, que acaba de invadir e onde não encontraram nenhum refém, continham uma “sofisticada” tecnologia de guerra do Hamas, da mesma forma como exibiram um exemplar do Mein Kampf de Adolf Hitler encontrado em perfeitas condições e sem nenhum dano, apesar de toda destruição que provocaram no local.

Causou espanto em muitos analistas que o grupo militar tenha abandonado suas armas nos porões do hospital, que são necessárias no momento para a sobrevivência do Hamas. O episódio lembra também a famosa acusação americana de que o Iraque possuía “armas de destruição em massa” como justificativa para sua invasão, o que jamais se provou verdadeiro.
Há, no entanto, o indício de que se a vitória sobre o Hamas for uma condição para o fim dos bombardeios sobre a população de Gaza, existe a probabilidade de que o exército de Israel chegue a provocar centenas de milhares de mortos entre a população do pequeno enclave.

Por outro lado, é provável que as Israel Defence Forces (IDF, por sua sigla em inglês) venham a sofrer muitas baixas quando se defrontarem com os militantes das Brigadas Al Qassam nas ruas estreitas da área, que certamente recorrerão a estratégias não convencionais de guerrilha para atrair o adversário a armadilhas e ataques pela retaguarda.
Em artigo publicado no site Consortium News, o escritor Chris Hedges, prêmio Pulitzer de jornalismo, delineia alguns princípios básicos de combate enunciados por um antigo militante da Resistência em 2014, que coincidentemente não era um membro do Hamas.

Basel al-Araj afirma que o maior poder de fogo de Israel – força aérea, misseis, tanques, drones, forças navais, unidades mecanizadas e de artilharia possibilita que que as IDF possam matar mais civis palestinos e destruir toda a estrutura urbana do enclave mas isto não se traduzirá, necessariamente, na derrota dos grupos de Resistência contra o colonialismo. Em consequência, Al-Araj conclui então que a luta contra Israel não pode ser medida em termos da contagem das vítimas, uma vez que os sionistas serão provavelmente capazes de matar muito mais palestinos.

A propósito, poderíamos lembrar aqui a frase de Ho Chi Minh sobre as guerras de libertação do seu país contra a França e os Estados Unidos:

– Eles vêm e matam muitos vietnamitas. Nós reagimos e matamos alguns deles. Aí nós ganhamos a guerra.

Foi exatamente o que aconteceu na Guerra da Argélia, onde os movimentos de resistência locais sofreram um dano muito maior – de aproximadamente 1,5 milhão de mortos, cerca de 10% da população, e ainda assim foram capazes de expulsar os franceses.

Al Araj conclui que “nós temos condições de suportar os custos e, assim, não há necessidade de ficar alarmado pela magnitude do número de mortos”.

Pressionado por todos os lados e até mesmo pelos membros de seu gabinete, será que o holograma Biden, apesar de todos os sinais de fragilidade psicológica que apresenta, poderá escapar a essa pressão e, pela primeira vez na vida, falar grosso e em alto e bom tom com seu aliado Netanyahu, interrompendo a carnificina?

 

                                                                                                                           Sérvulo Siqueira

 

Após viver na Espanha, onde atuou com repórter durante a Guerra Civil, o escritor francês, Georges Bernanos, escreveu Os Grandes Cemitérios sob a Lua, título que explicita com clareza a matança perpetrada no momento contra a população desarmada de Gaza. Em seguida à sua estadia na Espanha, Bernanos mudou-se para o Brasil, onde viveu até 1946.

Leia também sobre o assunto:

https://www.guesaaudiovisual.com/PoliticaInternacional/18julho2014.html

 https://www.guesaaudiovisual.com/PoliticaInternacional/24julho2014.html

 

 

 

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