15 de março de 2015
Traiganme la cabeza de Vladimir Putin, Nicolás
Maduro, Luís Inácio da Silva, Evo Morales, Rafael Correa y Cristina
Kirchner!*
Seria grotesco se não fosse assustador. Depois de terem linchado Muammar
Kadhafi, os neocons de Washington ‒ chamados por uns de Senhores do
Universo e por outros de cowboys com armas atômicas ‒ voltam-se agora
para novos alvos.
Depois de estarem mergulhados em muitas guerras malsucedidas no Oriente
Médio e em outra que parece seguir o mesmo caminho no leste da Europa,
lembraram-se afinal da América Latina que sempre consideraram como seu
quintal.
Propuseram então reatamento de relações com Cuba, a quem vêm impondo um
maciço bloqueio econômico que já dura mais de 50 anos. Em seguida,
emitem sinais de que vão invadir a Venezuela porque este país impediu a
concretização de um golpe de estado que haviam planejado.
Ao mesmo tempo, preparam com seus aliados a derrubada de governos
constitucionais no Brasil e na Argentina porque esses países estão se
aproximando de seu arqui-inimigo Vladimir Putin. Ao contrário de sua
homóloga do Brasil, a presidente da Argentina Cristina Fernández reagiu
com veemência e buscou com sucesso o apoio popular.
Enquanto a nossa presidente patina num pântano político sem decidir
entre o que pode ser pior ‒ se os seus sórdidos opositores ou os aliados
de circunstância ‒ vai ficando cada vez mais claro que a única liderança
com quem as forças populares podem contar no Brasil é o ex-presidente
Luís Inácio Lula da Silva.
Isto torna-se ainda mais evidente quando se observa que até mesmo alguns
ferrenhos opositores se mostram dispostos a celebrar acordos com
o governo desde que a atual presidente se afaste da figura de
Lula. No momento, é muito pouco provável que isto possa vir a acontecer
mas percebe-se que ambos não têm chegado a um denominador comum sobre o
melhor caminho a seguir.
Parece simples compreender porque a velha direita ‒ hoje melhor
representada no país pelo PSDB ‒ prefira a figura de Dilma à de Lula.
Desprovida de qualquer carisma, sem um histórico de grande protagonismo
político especialmente entre as massas populares, Dilma é um adversário
fácil de ser abatido.
Já Lula, um antigo líder sindical e personagem proeminente da vida
política brasileira por mais de quatro décadas, duas vezes presidente da
República ‒ tendo deixado o governo com uma popularidade de 86% entre a
população e feito o seu sucessor, o que é muito raro na história
brasileira ‒ é uma personagem muito mais difícil de ser descartado.
Por certo, este seria o sonho de Fernando Henrique Cardoso, seu maior
algoz, que gostaria de vê-lo derrotado para que pudesse ‒ enfim! ‒
ressurgir do ostracismo em que desabou desde que deixou o governo. No
entanto, a herança que legou ao país provavelmente não permitirá que o
soturno tempo de seu governo seja facilmente esquecido.
Do ponto de vista do neoliberalismo econômico ‒ um projeto do
capitalismo mais recente que já fracassou por completo ‒ líderes
populares como Vladimir Putin e Luís Inácio da Silva não são
imediatamente assimiláveis pelo sistema porque o seu prestígio no seio
da sociedade pode transcender o rígido corolário de aplicação de medidas
do neoliberalismo que não contempla a liderança popular mas a figura do
tecnocrata ou a do politico insípido, no estilo de Angela Merkel e
François Hollande, perfil ao qual Dilma Rousseff se ajusta de forma mais
confortável.
Tendo percebido a extrema fragilidade do recém-empossado governo de
Dilma Rousseff, a direita mais organizada do país vai constrangê-la ‒ no
que parece, já está sendo bem-sucedida ‒ a adotar a sua agenda
neoliberal mais ortodoxa, o que poderá distanciá-la do seu padrinho
político.
Claros sinais de discordância entre o Partido dos Trabalhadores e o
governo também já se observam no cenário, com ações na justiça
questionando atos do atual ministro da justiça, um notório tucano
disfarçado. O que poderá acontecer no futuro próximo?
Entre as várias hipóteses, pergunta-se se o PT poderá contentar-se com
um papel cada vez mais secundário na orientação política e econômica do
governo. Há a possibilidade de que
‒ caminhando o governo cada vez mais para a direita ‒ os setores
mais articulados e menos fisiológicos do partido procurem uma linha mais
independente e equidistante de Dilma.
E quanto à presidente? Para quem já revelou em sua trajetória política
um apurado senso de pragmatismo, como se comportaria diante de uma
oposição em seu próprio partido? Procuraria se filiar a uma outra
legenda ‒ como já o fez quando deixou o PDT pelo PT ‒ ou iria disputar
espaço com seus críticos dentro da legenda, cada vez mais numerosos?
De qualquer forma, nos mais diferentes cenários o personagem de maior
importância na vida política brasileira ainda continuará sendo o antigo
presidente Lula e a prova deste axioma é que todos os seus adversários
tentarão envolvê-lo em atos de corrupção para impedir que se apresente
novamente nas eleições presidenciais de 2018.
Enquanto vivemos o espectro de turbulências em nosso país com a
perspectiva de greves, conflitos de rua envolvendo grupos extremamente
violentos, ingovernabilidade e risco de impeachment, nuvens ainda mais
pesadas se aproximam da América Latina com a ameaça de uma invasão da
Venezuela e a aproximação das eleições presidenciais na Argentina.
Na quarta-feira da semana passada, uma reunião da UNASUL programada para
Montevidéu foi adiada porque não se chegou a um consenso sobre a
resposta que deveria ser dada aos Estados Unidos e à sua velha
diplomacia da canhoneira. O presidente do Equador, Rafael Correa,
decidiu então convocar um encontro dos chanceleres para o último sábado,
dia 14, em Quito. Subsiste ainda o temor de que, caso a resposta a ser dada por todos os membros do bloco não for inequívoca e veemente, há o risco de que nos transformemos num novo Oriente Médio ou numa outra Ucrânia porque, como se sabe, onde a máquina de guerra de Tio Sam põe os pés ‒ assim como acontecia com Átila, rei dos hunos ‒ não nasce mais grama.
Sérvulo Siqueira * O título evoca um filme de Sam Peckinpah, realizado em 1974. Na trama, um rico fazendeiro oferece uma recompensa de um milhão de dólares pela cabeça de Alfredo García, quem supostamente teria engravidado sua filha. Num clima exacerbadamente surreal e de destrutivo humor negro, um pianista de cabaré e uma prostituta enveredam por várias estradas para encontrar o cemitério onde García havia sido enterrado e obter a recompensa com a entrega da cabeça, já em estado de putrefação. |