11 de fevereiro de 2025

United States Über Alles

 

 Foram necessários apenas 15 dias para que as esperanças alimentadas por poucos de que as recentes eleições norte-americanas trouxessem alguma mudança na política de “cowboys com armas atômicas” se desvanecessem por completo.

Vimos então o retorno à cena de Donaldo Trampo como o novo Imperador do Norte que, com seu porte bem mais cansado de empreendedor imobiliário, vem causando estardalhaço com declarações intempestivas mas obtendo poucos resultados concretos, e isto somente quando se depara com contrapartes fracas como o medíocre vendepatrias presidente do Panamá.

No momento em que se dirigiu à presidente do México, demonstrou pouco conhecimento da realidade e foi obrigado a aceitar o compromisso – que não sabemos se será cumprido – de policiar a fronteira para evitar a entrada de armas pesadas norte-americanas que abastecem os carteis da droga do país vizinho.

Após declarar que os Estados Unidos possuem o território de Gaza e que vão restaurá-lo – expulsando os palestinos do local – enfrentou a oposição de praticamente todo o planeta.

Sua estratégia, que vem questionada por muitos, consiste – segundo observou um diplomata russo – em fazer uma declaração absurda que espanta o seu opositor para em seguida obter pequenas vantagens inesperadas: aparentemente uma técnica de negociação de vendas que não tem muita relação com a via diplomática.

Tudo isto ocorre no momento e que os States enfrentam uma crise econômica e política de transição de poder envolvendo a dívida interna, em meio aos incêndios que devastaram áreas ricas de Los Angeles e da Califórnia.

No entanto, as questões fundamentais da sociedade norte-americana como a perda de competitividade de sua base industrial, a ascensão da China e a derrota de seu exército “proxy” da Ucrânia diante da Rússia não foram enfrentadas pelo novo presidente até agora.

Algumas declarações de Trampo, desinformadas ou propositalmente maldosas tiveram o condão de produzir um sentimento de raiva nos russos, com quem o novo ocupante da Casa Branca terá de se defrontar para colocar um fim no episódio da derrota ucraniana.

Até mesmo o tradicionalmente comedido ministro da Relações Exteriores Sergei Lavrov foi forçado a comentar que o lema de TrampoMake America Great Again, que na verdade foi criado durante o governo de Ronald Reagan, – se parece muito ao slogan de Adolf Hitler, Deutschland Über Alles (A Alemanha Acima de Tudo).

A propósito, o comentarista do site Moon of Alabama lembrou que a Força Aérea americana já havia adotado no passado o lema US Air Force Above All, que foi providencialmente retirado, talvez porque pudesse ser visto como mais uma manifestação da ideologia do “excepcionalismo” ianque.

Em entrevista concedida ao jornalista irlandês Finian Cunningham, o ativista Ron Ridenour observou que o projeto de Trampo deveria ser cognominado de FAFO – “fuck around and find out” – que numa tradução livre poderia significar “arrebenta tudo e vê no que dá”.

Esta estratégia remete a acontecimentos ocorridos há um longo tempo, quando o império romano iniciava o seu processo de decadência, já que a opulência de outras épocas não mais podia ser mantida pela pilhagem das colônias conquistadas. A solução encontrada foi se voltar para o mercado interno e é isto o que parece sugerir a política que começa a ser posta em prática por Trampo.

No momento, sua postura consiste em passar uma aura de segurança e autoridade para o público interno, especialmente o americano médio do interior do país – em outros tempos integrante do que já foi chamado de “a maioria silenciosa” – assim como para o amplo espectro de seus patrocinadores bilionários, muitos dos quais foram integrados à sua equipe de governo.

No plano econômico, as perspectivas indicadas por Trampo também não parecem muito boas. Em uma entrevista concedida a Ben Norton, o economista Michael Hudson estima que a política de tarifas imposta por Trampo pode levar a economia mundial a uma nova crise porque a valorização da moeda norte-americana e as sobretaxas vão impedir os países de exportar produtos para os Estados Unidos, o que irá sufocar a sua economia e impossibilitar que cumpram as condições de pagamento das dívidas, denominadas em dólar, estabelecidas pelos States.

A consequência natural será deixar de pagar as dívidas ou reduzir a produção, o que levará a uma recessão em escala mundial. Pergunta então Michael Hudson:

– O que é que muitos países vão fazer se, de repente, a sua capacidade de exportar para os Estados Unidos, de ganhar dinheiro para pagar as suas dívidas externas, for bloqueada pelos Estados Unidos?

 Para Hudson, a alternativa à recessão seria então deixar de pagar as dívidas até atingir o equilíbrio necessário da economia. No entanto, o economista não acredita que o Grande Irmão do Norte permitiria que isto acontecesse.

– É claro que se isto ocorrer, os Estados Unidos vão impor todo o tipo de sanções contra eles, apoderar-se dos bens que possuem no exterior, as suas reservas em ouro, navios e aviões – observa o analista.

Por sua vez, o jornalista Paul Craig Roberts, que foi subsecretário de economia no governo de Ronald Reagan, considera que o aumento de receita obtido por meio da aplicação de tarifas não se constitui em um acréscimo significativo para a economia do país e lembra que a cifra de 80 bilhões de dólares alcançada em 2023 representou apenas 1,89% das receitas relativas àquele ano fiscal.

O analista acredita também que a visão de Trampo é incorreta e a sua estratégia para trazer de volta aos States as empresas que foram para o exterior demonstra a ignorância do presidente e de seus colaboradores.

PCR cita como exemplo o caso em que, se o setor dos automóveis vier a depender de componentes fabricados no Canadá, isto traria um aumento de 25% no custo das peças, o que poderia levar ao fechamento da fábrica e provocar um desemprego ainda maior.

Paul Craig Roberts considera que a melhor maneira de proteger as empresas seria reduzir o imposto para aquelas que contratam mão de obra norte-americana. Para o jornalista, um país que separa o consumidor de produtos dos rendimentos associados possui uma política estúpida e não tem condições de voltar a ser grande.   

Um outro ponto que, segundo Roberts, levará ao colapso do governo Trampo é o seu apoio a Israel. Seu argumento é que “o apoio de Trump a Israel é perturbador para os americanos que ainda têm uma consciência moral e se sentem envergonhados com o respaldo de seu país ao genocídio dos palestinos e à limpeza étnica promovida por Israel, para que o genro de Trump possa se tornar multimilionário ao desenvolver Gaza como uma estância turística”.     

A agência Associated Press publicou uma foto de um momento extremamente revelador das relações entre o presidente norte-americano e o primeiro-ministro do estado sionista, em que Trampo ajeita a cadeira para que Netanyahoo possa sentar. O comentarista do site Moon of Alabama escreveu uma legenda, que comenta ironicamente a conduta dos dois personagens, mas que também pode ser vista como um indicativo emblemático da relação entre ambos os países. Veja a foto e leia o comentário:

O rei de Israel (com uma gravata vermelha) visitou seu estado vassalo na América onde o empresário do setor imobiliário Donald Trump (com gravata azul) empurrou a cadeira para seu líder e se ofereceu para expulsar a população palestina de todas as terras que os sionistas desejam ocupar.

Em outro momento de um perigoso deslize, que talvez revelasse alguma nuance de seu próprio inconsciente, Trampo contou detalhes de uma espécie de dispositivo que seria ativado na hipótese de ser assassinado pelo Irâ, como uma retaliação pela execução do general iraniano Qassem Soleimani, que ordenou em 2020, Trampo afirmou que, caso isto venha a ocorrer, existiriam ordens executivas que determinariam a total obliteração do país persa.

Embora tenha desmentido qualquer temor quanto à possibilidade de que isso venha a acontecer, declarou:

Se fizerem isto, eles serão obliterados. Já deixei instruções para que, se eles fizerem isto, serão obliterados e não restará nada.

Muitos jornais e personalidades já comentaram que – na hipótese de que isto venha a ocorrer – seu sucessor não seria obrigado a seguir as suas instruções.

De outra parte, surgiram também ponderações de que estas dramáticas afirmações poderão propiciar a Israel a oportunidade para uma ação de false flag (falsa bandeira) a ser desencadeada pelo Mossad, com o objetivo de responsabilizar o Irâ pelo ocorrido.

Desde o primeiro momento, o Brasil – no momento tristemente governado (?) por Lulinha da Silva – não escapou de algumas humilhações provocadas pela política protofascista de Trampo de espezinhar os mais fracos.

As imagens de imigrantes ilegais brasileiros sendo transportados com correntes e algemas num avião militar gringo ainda estão muito vivas na memória da maior de parte dos brasileiros. Também não foi esquecida a reação muito mais servil do governo brasileiro, que sequer esboçou uma reação comparável à de seu homólogo da Colômbia, que ao menos ameaçou uma resposta à altura.

Novos golpes de Trampo – como as tarifas a serem impostas sobre a exportação do aço e do alumínio – certamente virão num futuro próximo, já que o presidente norte-americano, aliado de Bolsonaro, vai querer semear caos nas próximas eleições presidenciais. 

O rei está nu e o pior ainda está por vir.

                                                                                    

Sérvulo Siqueira