9 de setembro de
2013
Mais
uma mentira, mais uma guerra
Para
quem se acostumou a inventar mentiras para justificar agressões
militares contra países como o Vietnã do Norte, o Iraque, o Afeganistão,
entre outros, não é surpreendente que os Estados Unidos estejam agora
fabricando mais esta esfarrapada aleivosia contra a Síria, o que lhe
dará a oportunidade de despejar alguns milhares de novos mísseis de
última geração no país árabe.
O
que parece surpreendente é que desta vez não contam com apoio da
Inglaterra e que seu presidente se mostre cada vez mais tímido e
inseguro, quase envergonhado por se sentir empurrado pelo
lobby judeu e a indústria da
guerra para mais uma aventura militar em que, contrariamente a outras
oportunidades, poderá enfrentar um povo e um exército mais organizados e
coesos.
Embora isto pareça improvável − dada a pressão que está sendo exercida
sobre o Poder Legislativo e que envolve inclusive a compra de votos − a
melhor solução para a fragilidade de Barack Obama seria a sua derrota no
Congresso, o que lhe daria uma desculpa diante de seus senhores para não
se envolver em uma ação que poderá levar o mundo a uma nova guerra
mundial.
Apesar dos proclamas alardeados pela desmoralizada imprensa ocidental de
que Bashar Al-Assad usou armas químicas e que o regime ianque age em
defesa do povo sírio, a verdade é que – levando em conta o histórico de
mentiras dos Estados Unidos e o seu notório racismo diante dos povos
árabes e muçulmanos que não aceitam o
diktat de Washington − esses
argumentos já não convencem quase ninguém.
Com
o fim da União Soviética, acreditou-se que o propalado modelo
democrático americano iria trazer paz e prosperidade mas o fato é que
hoje só temos violência, agressões desproporcionadas contra países
pequenos e povos pobres, insegurança e medo, além da perspectiva de uma
grande recessão e o espectro de uma possível conflagração mundial.
Com
o perigo crescente de um transbordamento da usina nuclear de Fukushima −
construída por uma empresa dos Estados Unidos em uma área de terremotos
− a torta de maçã neoliberal oferecida pelo capitalismo anglo-saxão
apodreceu e ameaça envenenar todo o planeta. As manifestações que varrem
o mundo e que também encontraram eco no Brasil parecem indicar que
começamos a acordar de um longo sono de mais de 20 anos e a descobrir
que fomos ludibriados por miragens de consumo.
Uma
parte da população, intoxicada pelas mentiras e o baixo nível de
informação proporcionado pelos meios de comunicação, começa também a
perceber que está sendo mergulhada num universo de progressivo controle
e policiada por meios cada vez mais sofisticados: satélites, GPS,
cartões de crédito, chips inseridos no organismo humano, etc. Ao mesmo
tempo, o modelo econômico implantado se caracteriza por uma má
distribuição de renda e concentra um poder imenso nas mãos de políticos
sem nenhum escrúpulo, banqueiros parasitas e sanguessugas, agentes de
espionagem e militares sedentos de poder.
A
guerra na Síria, planejada há um longo tempo por neoconservadores
americanos e o lobby do Comitê
Americano-Israelense de Assuntos Públicos (AIPAC, por sua sigla em
inglês), é parte de uma grande estratégia de conquista do Oriente Médio
que foi antecedida pelas invasões e consequente destruição do Iraque, do
Afeganistão e da Líbia − além dos contínuos bombardeios do Líbano
perpetrados por Israel − e poderá ser sucedida por outra contra o
adversário mais poderoso do estado judeu na região, o Irã.
A
imensa destruição causada em toda a região − com consequências sobre
todo o planeta − e que causou pelo menos mais de um milhão de mortos e
quase 10 milhões de refugiados começa a preocupar outros países já que
ameaça convulsionar o mundo e fracioná-lo em uma série de guerras
regionais, o que obstrui o crescimento econômico e traz a perspectiva de
um conflito generalizado.
Por
outro lado e de forma paradoxal, este estado permanente de guerra tem
servido aos interesses dos Estados Unidos − a única grande potência
sobrevivente da Guerra Fria − cujo complexo industrial-militar alimenta,
em escala planetária, todas as guerras intestinas e delas tira um grande
lucro.
Vivemos hoje no mundo uma situação semelhante àquela apontada pelo poeta
João Cabral de Melo Neto, em Morte Vida Severina, para a realidade
nordestina brasileira de anos atrás:
Como aqui a morte é tanta,
Até
mesmo o papa já alertou para o perigo das contínuas guerras promovidas
pelos Estados Unidos, destinadas a vender a última geração de armas de
grande capacidade letal.
Neste cenário, como é natural, a divulgação pelos órgãos de informação
israelenses de que o governo sírio havia usado armas químicas contra o
grupo étnico alawita que apoia Bashar e ao qual pertence o próprio presidente, no
momento em que uma comissão da Organização das Nações Unidas estava no
país a pedido do governo, não conseguiu convencer a população mundial,
ainda mais quando se considera que o governo dos Estados Unidos já
mentiu em várias outras oportunidades para alcançar seus objetivos de
conquista e poder.
Enquanto ao lado do presidente norte-americano ficaram apenas alguns
políticos corruptos e velhos aliados, governos com uma postura mais
independente demonstram o seu descrédito e a opinião pública mundial tem
se manifestado de forma maciça contra mais esta falsificação. Há hoje o
risco de que, dependendo da evolução da guerra, o poder americano venha
a sofrer uma completa desmoralização − o que poderá levá-lo ao emprego
de armas cada vez mais destrutivas, inclusive as atômicas − e que o
presidente da Síria, Bashar Al Assad, se torne um símbolo da resistência
do mundo árabe e muçulmano contra a expansão da aliança Estados
Unidos-Israel.
Por
outro lado, existe também a possibilidade de que o maior aliado dos
Estados Unidos e onde está implantado o mais brutal regime do mundo
árabe e muçulmano, a Arábia Saudita, comece a ser contestado no interior
da sua própria sociedade e tenha que confrontar o mesmo tipo de
insurreição popular que patrocinou na Tunísia, no Egito e na Líbia, por
exemplo. Não seria esta a primeira vez em que o feitiço se volta contra
seu criador, o feiticeiro.
De
outra parte, um ataque da Síria ou do Irã contra Israel também poderia
desencadear reações desproporcionadas, o que tem sido a característica
de atuação do governo judeu que, por exemplo, jogou mais bombas no
Líbano em 2009 do que todas as operações militares da II Guerra Mundial
apenas para resgatar um soldado, o que terminou não acontecendo. Por sua
vez, Israel − que já vive uma crise econômica há mais de 10 anos e onde
o número de imigrantes começa a se tornar menor do que aqueles que
retornam ao seu país de origem − também enfrenta a possibilidade de um
colapso.
Quanto ao agressor presidente norte-americano, a situação não soa
igualmente muito favorável, uma vez que Obama enfrenta uma feroz
oposição interna muito conservadora, isola-se cada vez mais
internacionalmente, ainda não encontra um caminho para sair da crise
econômica, tem pela frente a crescente concorrência da China − que mercê
de uma política muito dinâmica caminha para se tornar a maior potência
do planeta − e é obrigado a assistir ao reerguimento da Rússia, o
adversário que acreditou destruir há 20 anos atrás.
Ao
mesmo tempo, ainda precisa dar explicações à maior parte dos países do
planeta sobre as espionagens que realizou em conversas telefônicas,
correio eletrônico, cartas, etc. O sistema de segurança americano − que
segundo muitos observadores consome três trilhões de dólares ao ano,
pagos pelos contribuintes − se converteu num monstro incontrolável que
pode devorar todo o país.
Prisioneiro desse sistema e incapaz de vencer a resistência do Congresso
americano ao seu programa de assistência médica, Barack Hussein Obama
deixará provavelmente um triste legado e − se sua invasão fracassar −
poderá se tornar um cadáver político, sendo ejetado do cargo por meio de
um impeachment. Se for vitorioso, vai ser preciso saber a que preço isto
irá ocorrer e, caso tenha cometido muitos crimes de genocídio,
dificilmente poderá viajar para fora de seu país quando deixar o cargo −
como já acontece com seu antecessor, o notório George W.
Bushinho − porque enfrentará
protesto em toda a parte e poderá ser indiciado como criminoso de
guerra.
Para
a sua invasão do país sírio, além da vergonhosa compra de votos, da
pressão do lobby da AIPAC que
culminou na recusa em aceitar a visita dos deputados russos para a
discussão da proposta, usou como argumentos a apresentação de alguns
vídeos que − segundo observadores − não resistem à análise mais acurada
e devem ser vistos como uma arma de propaganda de guerra. O jornalista
Thierry Meyssan, que se dedicou ao assunto, considerou que se as
informações dos serviços secretos americano, francês e inglês estiverem
corretas, as seguintes conclusões podem ser tiradas:
1. O gás utilizado, uma nova modalidade de gás sarin, não afeta as
mulheres.
2. Durante quatro dias, os Estados Unidos observaram a preparação do
crime mas não fizeram nada para evitá-lo.
3. Na véspera da sua utilização, o gás matou crianças que haviam sido
sequestradas pelos grupos apoiados pelos Estados Unidos duas semanas
antes, em uma região situada a 200 km do local onde ocorreu o ataque.
4. O acontecimento ficou conhecido por meio de filmes postados na
véspera no You Tube.
5. Ele teria sido confirmado por meio de uma escuta de ligações
telefônicas realizada pelo inimigo israelense.
6. Os serviços de inteligência ocidentais possuem um método secreto que
lhes permite identificar a presença do gás sarin sem analisar os tecidos
humanos.
Já o
presidente sírio, Bashar Al-Assad, demonizado por toda a imprensa
corporativa ocidental, vem conseguindo sobreviver a mais de dois anos de
invasão do país por um exército de mercenários composto por mais de duas
dezenas de milhares de cidadãos de 25 países, financiado pela Arábia
Saudita − e até há pouco tempo, pelo Qatar − treinado pelos Estados
Unidos e pela OTAN e neste momento, segundo quase todos os observadores,
está ganhando a guerra, o que explica de forma ainda mais clara as
razões da invasão norte-americana.
Segundo todas as pesquisas, se for candidato nas próximas eleições
presidenciais de 2014, deverá sair vitorioso, o que fornece mais uma
justificativa para a invasão. Bashar, um médico oftalmologista que
clinicava em Londres e se tornou − contra sua vontade, segundo afirma −
o sucessor de seu pai, Hafez, poderá se transformar num herói de todo o
mundo árabe e muçulmano se for capaz de resistir à brutal máquina de
matar americana.
Tão
grande é a insânia deste ataque, que não se pode deixar de pensar na
genial meditação de William Shakespeare no
Hamlet, que tenta compreender
o método da loucura. Muitos acreditam que, na verdade, o objetivo dos
Estados não se dirige exatamente à Síria mas deseja alcançar alvos muito
maiores. A estratégia americana seria testar a resposta que a Rússia e o
Irã poderão oferecer ao ataque e, então, proporcionar a Israel a
possibilidade de uma retaliação nuclear ao seu arqui-inimigo, o Irã.
O
presidente da Rússia, Vladimir Putin, parece ter compreendido este ponto
porque respondeu de imediato dizendo que vai ajudar o país árabe.
Retornamos assim à Guerra Fria e não podemos deixar de nos recordar do
Vietnã, quando a antiga União Soviética não se envolveu diretamente mas
ajudou o país asiático a derrotar de forma humilhante o imperialismo
americano.
Outros acreditam que a invasão da Síria seria mais um instrumento da
guerra econômica dos Estados Unidos contra a China, já que ao envolver o
Irã os ianques estariam comprometendo o maior fornecedor de petróleo e
gás de seu concorrente. Essas tentativas poderão ser até bem-sucedidas
por um breve tempo mas certamente não frearão o crescimento do antigo
império do Centro, que ressurge e pretende se transformar no elo de
continuidade da última civilização ainda sobrevivente.
Desde a abertura para o Ocidente, a China vem perseguindo um caminho
para se tornar uma grande potência. Aniquilados por sucessivas guerras e
pelos colonialismos inglês e americano, os chineses rememoram com
frequência os tempos gloriosos das dinastias do passado e sonham com um
país que recupere a glória de tempos muito remotos. O crescimento dos
últimos 35 anos, ocorrido em uma atmosfera de paz e relativa
tranquilidade oferece ao mundo uma perspectiva de prosperidade e
estabilidade sem a persistência das guerras e dos conflitos produzidos
pelos dias atuais de dominação americana.
Na
II Guerra Mundial, o compositor Arnold Schönberg escreveu que a
humanidade não lhe interessava mais e que se dedicaria apenas à música.
Vivemos hoje uma noite transfigurada, para usar o título de uma de suas obras,
povoada pelos resquícios deixados pelo neoliberalismo, um modelo
econômico administrado pelos Estados Unidos que fracassou em seu breve
lapso de tempo.
Talvez o estrondo provocado pelas bombas que cairão neste país do
Oriente Médio, por onde passou uma parte da história da nossa
civilização, nos faça acordar subitamente. Não será um despertar
rotineiro já que de alguma forma a humanidade pagará um alto preço pelo
cheque em branco que concedeu aos Estados Unidos durante todo esse
tempo. A vitória na Guerra Fria, a alta tecnologia americana e o avanço
de seus meios de comunicação de massa − cinema, televisão, propaganda −
produziram uma falsa sensação de modernidade que sugeria que este país
poderia liderar o mundo em direção a um novo estágio de civilização.
Esse brilho fugaz e aparente camuflou por algum tempo o caráter
profundamente conservador de sua sociedade, impregnado de um espírito
religioso obscurantista e permeado pelo mais desenfreado materialismo
capitalista. Nos dias de hoje, esse modelo já contaminou a Europa e o
Japão, que patinam em crises.
Para
avançar, a humanidade terá que se livrar desta atmosfera de guerras
contínuas, de uma vida cada vez mais sem perspectivas em que apenas
alguns poucos ganham verdadeiramente e onde uma única grande potência
patrulha durante todo o tempo os espaços pronta para disparar um míssil
ou deixar cair uma bomba de um avião não tripulado.
Sérvulo Siqueira |