9 de novembro de 2016
A derrota da bruxa malvada
O título acima poderia servir como corolário de uma fábula
moral em que ‒ ao final ‒ uma criatura malévola termina
sendo castigada por suas atrocidades.
Há, no entanto, muitos outros elementos na história. O mais
importante deles é que os cidadãos norte-americanos que
ontem elegeram maciçamente Donald Trump como o próximo
presidente do país não se deixaram levar por uma das mais
grosseiras campanhas de manipulação da opinião pública da
era moderna.
Muitos analistas que observaram de perto a disputa notaram
como ‒ ao invés de discutir temas polêmicos como a iminência
de uma Terceira Guerra Mundial, a decadência da economia dos
Estados Unidos e a queda da qualidade de vida dos seus
trabalhadores, a violência da polícia dirigida especialmente
a seus cidadãos de cor, o crescimento do terrorismo islâmico
notoriamente fabricado pelo governo ianque e seus aliados na
Europa e Oriente Médio, principalmente França, Inglaterra,
Arábia Saudita e Qatar ‒ seus meios de comunicação se
cingiam aos arroubos sexuais do candidato republicano e a
uma nunca provada intromissão cibernética Rússia no processo
eleitoral norte-americano.
Mesmo aqueles no Brasil ‒ acostumados ao esquartejamento
diário a que foram submetidos a ex-presidente Dilma Rousseff
e seu antecessor Luís Inácio da Silva ‒ não se deixavam de
surpreender com o grau de virulência com que os órgãos de
comunicação dos
States se referiam ao bilionário/candidato. Como a representante das elites econômicas e políticas dos Estados Unidos, (K)illary Clinton passou ao largo ‒ durante toda a campanha das primárias, que teria sido ganha por seu contendor Bernie Sanders e fraudada por seus aliados no Partido Democrata ‒ do crescente desemprego, das parcerias de comércio propostas para o Oceano Pacífico, da má qualidade da assistência médica ‒ resultante, segundo muitos, do Obamacare ‒, do fracasso das intervenções militares do Pentágono no Oriente Médio ‒ pelas quais ela própria deve ser grandemente responsabilizada ‒, evitando propostas sociais e preferindo apelar sempre para políticas de gênero segundo o viés atual do politicamente correto. Obteve ‒ para o espanto de muitos - até mesmo o apoio de alguns setores da esquerda americana mas perdeu a simpatia dos trabalhadores, que votaram em Donald Trump. Jamais abordou, no entanto, de forma clara o nebuloso episódio do uso de um servidor privado para e-mail relacionados a assuntos de Estado, o que pode configurar de forma clara um crime de alta traição a seu país.
Sabe-se hoje, em relação a esse episódio, que a candidata do
Partido Democrata teria preservado alguma correspondência e
apagado uma quantidade substancial de dados que provavelmente conteria
informações sobre o tráfico de influência que
exercia sobre pessoas, instituições públicas e privadas ‒
além de países como o Haiti, a Arábia Saudita e Israel, por
exemplo
‒ em benefício da Fundação Clinton
que mantém com seu marido, o ex-presidente William Clinton.
Parte do material revelado ao público contém indícios de
chantagem e extorsões perpetradas por Hillary e seu cônjuge,
o que explica o monumental crescimento da fortuna da família
em um curto período de tempo.
Paralelamente a essa conduta ilícita, a candidata dos
democratas agora derrotada se dedicava também a
proferir palestras a poderosos grupos econômicos em que se
valia de seu longo convívio com o poder americano como
primeira-dama ‒ ainda nos anos 1990 do século passado ‒ e
posteriormente em postos públicos como senadora pelo
estado de Nova Iorque e mais tarde secretária de Estado
durante o governo Barack
Obama, pelas quais teria recebido dividendos da ordem de milhões de dólares em troca de dados preciosos sobre
questões econômicas e políticas relevantes, as chamadas
inside informations.
Todos estes e outros crimes aos quais esteve relacionada Hillary
Clinton ‒
alguns deles configurados como de extrema gravidade, como
informações passadas ao Mossad, serviço secreto israelense,
que teriam levado ao assassinato do
embaixador dos Estados Unidos na Líbia ocorrido em Bengazi,
fato jamais devidamente esclarecido
‒
não foram discutidos pela mídia americana durante a campanha
eleitoral, que insistia em enfatizar as aventuras sexuais de
Donald Trump e a nunca comprovada espionagem soviética nas
eleições do país, o que poderia neste caso revelar uma má
consciência gringa,
em razão da contínua intromissão do governo norte-americano
no processo eleitoral de outras nações, como ficou provado
durante a eleição de Boris Ieltsin, em 1996. Na época,
preocupado com uma possível vitória do comunista
Guennadi Ziuganov, o presidente norte-americano Bill Clinton despachou os
maiores especialistas em propaganda e marketing político do país para Moscou em socorro de seu
aliado russo, o notório vendilhão da pátria Boris Ieltsin,
que terminou vitorioso.
Nas atuais eleições que vêm de se concluir, a mulher de Bill
‒
confiante no imenso poder de seus patronos: banqueiros de
Wall Street, fabricantes de armas para o Pentágono, meios de
comunicação (New York
Times e as redes
CNN, CBS,
ABC,
NBC, entre
outros) que compõem o 1% da classe dominante de seu país ‒
omitiu assuntos polêmicos como o fracasso de administrações
anteriores e a sua participação nas desastrosas interveções
militares no Afeganistão, Iraque, Líbia e Síria, que levaram
a centenas de milhares de perdas de vida dos cidadãos desses
países, além de milhões de refugiados que hoje invadem a
Europa em busca de abrigo.
Não conseguiu, entretanto, apagar sua notória participação na invasão da Líbia e na destruição do mais avançado sistema de seguridade social de toda a África ‒ tido como ainda melhor do que o de muitos países da Europa Central ‒ e no linchamento de Muammar Khadaffi, pelo qual indiretamente se responsabilizou em tom sarcástico. As imagens de uma entrevista que concedeu no dia seguinte ao assassinato do mandatário líbio correram a Internet e ainda podem ser vistas aqui.
Na atual campanha eleitoral em que terminou sendo
finalmente derrotada,
(K)illary Clinton desencadeou uma onda de xenofobia que lembrou os
tempos do senador Joseph McCarthy nos anos 1949 e 1950, responsabilizando a Rússia pelas fraudes ocorridas nas
primárias de seu partido e os dados liberados pela
organização Wikileaks. Até mesmo uma conversa de seus
partidários em que era proposta a eliminação física de
Julian Assange chegou a vazar na Rede.
Aqueles que tendem a construir uma interpretação de caráter
mais espiritualista e até mesmo esotérico e religioso podem
apresentar outras versões mas o certo é que depois do infame
assassinato de Muammar Khadaffi, Hillary Clinton ficou
enferma e teve que se dedicar à recuperação de uma doença
grave. A árdua campanha eleitoral porque passou revelou que
ela talvez não se tenha recuperado completamemente, como
indicam os sucessivos episódios de quedas e dificuldade em
descer uma escada, indicadores de falta de controle motor e
sintomas da doença de Parkinson.
O mais alto ponto dessa
débacle acaba de
ocorrer, com sua imprevista e de certa forma acachapante
derrota nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, o que
desfere um golpe definitivo na pretensão de se tornar a
primeira mandatária dos
States.
Para nós, aqui no Brasil, a figura de (K)illary
Clinton ‒
talvez com um grau de maldade ainda maior, dada a magnitude de seu país, ‒
se assemelha à de políticos do nosso Bananão
como o inefável José Serra, sempre próximo do poder mas
nunca favorecido pela confiança popular para exercê-lo em
sua plenitude.
Pensando bem, talvez outro título para esta história
relativamente policialesca poderia ser:
A Vingança de
Khadaffi
Sérvulo Siqueira
|