9 de maio de 2011 Um país que precisa de inimigos
O jornalista Alexander Cockburn* levanta uma hipótese impressionante: se
um bombardeio líbio – por um acaso – tivesse conseguido burlar a
estreita vigilância das baterias antiaéreas britânicas e – na linha da
mesma estratégia utilizada pela OTAN, que considera um líder político de
um país inimigo como um alvo de guerra – bombardeasse a cerimônia de
casamento do príncipe William e da duquesa Kate, inúmeras figuras da
realeza, e inclusive a noiva, poderiam ser abatidas e estimadas apenas
como "dano colateral", embora o primeiro-ministro e o príncipe – na sua
condição de oficial da Organização do Atlântico Norte
– pudessem até escapar ilesos.
Como se sabe, a explicação apresentada pela OTAN, ao justificar o
bombardeio da casa de Saif Al-Arab Kadhafi – que o matou, assim como a
três de seus filhos menores – concluiu que a ação foi plenamente legal
embora não tivesse atingido o seu objetivo final, que era o assassinato
de Khadafi.
Esta aparentemente absurda hipótese revela em toda a sua integralidade o
crime cometido pelas "forças humanitárias" da OTAN ao perpetrar o
bombardeio de áreas civis de Trípoli, capital da Líbia, atingindo também
uma escola para crianças deficientes. Um dia depois da ação, o
presidente norte-americano, também de forma absurda galardoado Prêmio
Nobel da Paz, assinou mais uma ordem de assassinato seletivo: a
eliminação do fac-totum Osama bin Laden, pau prá toda a obra do
terrorismo ianque.
Em sua justificativa, o César negro americano, senhor da vida e da
morte, concluía:
– Novamente, somos lembrados que os Estados Unidos podem fazer o que
propõem. Esta é a nossa história.
Mesmo após a consideração das circunstâncias em que se deu o assassinato
– informações obtidas por meio de tortura, invasão do espaço territorial
de um outro país, morte de várias outras pessoas inocentes e assassinato
frio e premeditado sem direito de defesa – os Estados Unidos mandaram
mais uma vez em alto e bom som uma clara mensagem ao mundo, de que na
defesa dos seus interesses fazem o melhor que lhes aprouver, sem
consideração às leis ou o respeito aos direitos humanos e aos países.
Poder-se-ia acrescentar que nem também à verdade dos fatos, já que este
episódio nasceu coberto por espessas nuvens: sepultamento em pleno mar,
ausência de provas cabais como fotografia ou registro em vídeo,
identificação baseada em provas apressadas de DNA (veja também o
link), contradições em relação às circunstâncias do assassinato,
além de toda a sorte de versões e contraversões que começaram desde o
primeiro momento em que a televisão exibiu uma imagem de Obama e sua
gangue na Casa Branca assistindo ao vivo à matança de Abbottabad quando
– na verdade, segundo declarações de um diretor da CIA – o circuito
on-line deixou de funcionar antes do início do massacre. Se não fosse o
apoio dos meios de informação corporativos – como sempre, submissos e
coniventes com a mentira – tal embuste, pobre e mal forjado, não obteria
sequer a atenção da população, como atestam as consultas de opinião
pública que atribuem pouca veracidade ao fato.
Sem a cabeça de Khadafi, o ínclito Prêmio Nobel da Paz teve que se
contentar apenas com a vendeta contra bin Laden, ainda que suas
explicações não pareçam muito convincentes. No entanto, observadores
argutos do mundo árabe consideram que – mesmo se provada como verdadeira
– a morte de Osama bin Laden terá pouca influência nas ações de vários
movimentos que lutam em diversas frentes contra a presença bélica e
econômica americano na região. Por outro lado, cresce a ligação entre os
militantes da Al-Qaeda e as forças da OTAN na Líbia, o que alimenta
ainda mais as suspeitas já fundadas de que esta organização sempre se
constituiu num braço armado do terrorismo norte-americano. Mesmo um
sucesso no país do Norte da África poderá representar apenas uma
"vitória de Pirro", já que os Estados Unidos serão obrigados – como
sempre fazem - a queimar este arquivo no futuro.
Num momento de certa maneira até parecido com o que vivemos – de
obscurantismo e de crescimento do totalitarismo - Bertolt Brecht
referia-se à Alemanha e comentava em tom melancólico como era "pobre um
país que precisa de heróis". De forma análoga, pode-se dizer que os
Estados Unidos: são hoje um país que precisa desesperadamente de
inimigos. Mergulhado em uma abissal crise econômica, com mais
desempregados do que nunca em sua história, carregando uma gigantesca
dívida externa e um colossal déficit nas transações comerciais, com o
dólar, o seu carro-chefe em contínua baixa e ainda sob ameaça de cair
nas mãos dos fascistas do Tea
Party, que outros argumentos teria hoje o Tio Sam para oprimir a sua
própria população senão o recurso a um fabricado inimigo externo,
perpetuamente demonizado, constituído como um pretexto que justifica a
contínua utilização de armas de destruição em massa, mísseis de "alta
precisão" como os Tomahawk e os Patriot, além dos aviões não tripulados
que destroem casas, estradas, escolas, refinarias e matam
indiscriminadamente seres humanos em todo o mundo.
* Veja a matéria de Alexander Cockburn
aqui (em
inglês) ou
aqui (em espanhol)
Sérvulo Siqueira |