7 de janeiro de 2009
A enorme
exibição de força destrutiva aplicada por Israel no bombardeio e invasão
do território palestino, depois de um prolongado cerco de quinze meses
que impediu a entrada de comida e o abastecimento de água e luz, pode na
verdade ser também uma demonstração de fraqueza.
A escolha
da data da ação militar – três dias após o marco histórico milenar em
que os cristãos rememoram o nascimento do Filho de seu Deus – mais tarde
entregue pelos judeus à autoridade romana para ser executado – não
esconde a tentativa de criar um fato político que leve à vitória do
Kadima, partido no poder criado pelo general Ariel Sharon, nas próximas
eleições. Situado em segundo lugar nas pesquisas, atrás do Likud,
agremiação de extrema direita de Benjamin Netanyahu, e assolado por
acusações de corrupção contra o primeiro-ministro Ehud Olmert, o Kadima
necessita exorcizar os fantasmas dos colonos judeus trazidos
principalmente da Europa Oriental sob o argumento da Terra Prometida –
ainda que isso se faça com o emprego de uma monumental força militar – e
estabelecer a paz em uma região conturbada por longos anos de conflito,
mesmo que esta possa ser a paz dos cemitérios.
Não é a
primeira vez que Israel exerce o seu impressionante poderio bélico, de
forma desproporcional à capacidade de retaliação do adversário. Há
alguns atrás, sob o pretexto de resgatar três soldados capturados pela
milícia Hezbollah, as forças armadas do país despejaram no Líbano,
durante uma campanha bélica de trinta e poucos dias, mais do que o total
de bombas lançadas ao longo de toda a Segunda Guerra Mundial.
Não apenas
deixaram de alcançar o seu objetivo como levaram alguns analistas da
Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) – que encarna hoje
o próprio coração do país na sua busca por território e poder – a
considerar a ação um fracasso, principalmente depois da perda de quase
cem soldados durante os ataques. Por outro lado, muitos observadores
pensam que esse uso desmedido de força pode na verdade refletir uma
condição ainda mais frágil, indicativa da transformação de Israel de
estado-associado a estado-cliente dos Estados Unidos, agindo assim como
um país títere.
Com o
emprego de uma alta tecnologia letal sobre a indefesa população
palestina, semelhante em efeitos visuais aos utilizados pelos Estados
Unidos na Guerra do Golfo e na invasão do Iraque, o Estado judeu parece
estar desovando sobre o povo de Gaza a última geração de equipamento
militar, fabricado em muitos casos especialmente para essa finalidade,
como helicópteros projetados para aniquilar líderes inimigos na sala de
jantar de suas casas e bombas de fragmentação dotadas de material
radioativo – fósforo, plutônio, urânio, entre outros – proibidas por
várias convenções internacionais.
Alguns
pequenos foguetes de fabricação quase artesanal, que na grande maioria
dos lançamentos sequer conseguem atingir o alvo e quando o fazem não
causam mais do que danos materiais leves são o argumento para esse
genocídio – já que as maiores vítimas estão sempre entre a população
civil. Entre o povo de Gaza esses foguetes são vistos apenas como um
sinal simbólico de resistência e desempenham um papel psicológico de
elemento de coesão e integração em tempos de grandes sacrifícios.
Essa
postura belicosa de um estado tão poderoso – detentor, segundo o
ex-presidente Jimmy Carter de 500 ogivas nucleares – ocorre num mundo
que sofreu grandes transformações desde a queda da União Soviética e o
início da globalização neoliberal, onde a proposta de uma Nova Ordem
Mundial resultou num curto período de tempo em uma grande desordem
planetária.
O antigo
equilíbrio militar de forças entre os Estados Unidos e a União Soviética
obrigava a Organização das Nações Unidas (ONU) a desempenhar um papel de
fórum permanente de debates e de poder moderador dos conflitos. É certo
que a ONU mantém atualmente um número considerável de forças destinadas
a manter a paz em diversas regiões do mundo mas todos sabemos que na
maioria dos casos – como no episódio da triste participação brasileira
no Haiti – essas tropas não são mais do que o exercício de um poder
colonial. Recentemente, desde a invasão da Iugoslávia, desfechada sob a
bandeira da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN,) e o ataque
ao Iraque, desencadeado sem a autorização do Conselho de Segurança,
ficou patente para todos que a ONU é uma instituição completamente
desmoralizada.
No caso
específico de Israel, o desconhecimento e as violações às resoluções da
ONU vêm desde a década de 40 do século passado e tiveram início já com a
determinação de criação do Estado Palestino, até hoje ainda não
concretizada.
Não custa
lembrar que o fracasso da Liga das Nações levou à Segunda Guerra
Mundial, na qual o povo judeu foi um protagonista importante como
vítima, e a lição que se extrai do episódio é que a falência de uma
organização internacional capaz de regular os diferentes conflitos pode,
especialmente em períodos de crise econômica, levar a uma conflagração
mundial.
Existe
também a hipótese de que o ataque de Israel à Gaza pode estar sendo
estimulado pelos Estados Unidos e a Inglaterra, a atual e a antiga
potência colonial da região, países que estão no momento mergulhados em
uma profunda derrocada política, militar e moral no Iraque, depois de
uma invasão malsucedida realizada sob pretextos que depois provaram ser
falsos mas que não conseguiram dissimular o real propósito de se
apoderar dos recursos energéticos do país árabe, o que reviveu em pleno
século 21 o espectro das antigas guerras coloniais de conquista e
pilhagem. Esse objetivo até agora não se consolidou plenamente e parece
difícil de ser alcançado.
Quase seis
anos depois da invasão, foi preciso que o primeiro-ministro iraquiano
pedisse o consentimento dos aiatolás do Irã, país que os Estados Unidos
consideram talvez como o seu maior inimigo, para a assinatura de um
acordo militar que não concede aos americanos mais do que apenas três
anos de permanência no país. Muitos supõem que após esta data o Iraque,
flagelado por uma guerra que já provocou mais de um milhão e meio de
mortos e quatro milhões de refugiados, não terá forças para se reerguer
por si só e provavelmente sofrerá grande influência do Irã, com o qual
possui importantes afinidades culturais e religiosas. Talvez pensando
nisso, a estratégia dos Estados Unidos e de Israel tem consistido em
demonizar o Irã, embora esse último país não venha adotando práticas
genocidas contra outras nações como seus adversários o têm feito em
relação ao Afeganistão, ao Iraque e à Palestina.
Com a
perspectiva de obter uma esmagadora vitória militar contra o partido
Hamas, no poder em Gaza, e sua população já debilitada por um regime de
prolongado apartheid, desprovida de equipamento bélico para combater um
adversário tão bem armado e com sua infraestrutura civil – habitação,
luz, água, estradas, hospitais, escolas, etc. – já profundamente
comprometida, o Estado de Israel poderá estar agora prestando um serviço
aos patrocinadores de sua existência, ao impor mais uma humilhação a um
povo islâmico. De outra parte, como o Irã e a Síria parecem ser agora –
depois da derrubada de Saddam Hussein – os únicos países que ainda
apóiam a causa palestina, Israel estaria também provocando o seu
adversário na região para que se envolva no conflito, o que ampliaria a
escalada militar e criaria assim mais uma justificativa para o
bombardeio nuclear do Irã, ação que tem sido proposta várias vezes,
inclusive pela futura secretária de Estado americana, Hillary Clinton.
Provavelmente nesse caso o projeto não será bem-sucedido mas seria
conveniente lembrar que nas últimas ocasiões em que enfrentou a milícia
Hezbollah – apoiada pelo Irã – o poderoso exército israelense foi
derrotado, sendo inclusive obrigado a se retirar de uma zona de
segurança que criou no sul do Líbano após o conflito dos anos 80.
1. O
ataque do Estado de Israel à população palestina de Gaza não difere
muito em sua natureza racista dos antigos pogroms de que o povo judeu
foi vítima no passado; no entanto, sua intensidade letal e capacidade de
extermínio são incomparavelmente superiores.
2. A
omissão ou conivência das principais potências mundiais – Estados
Unidos, Inglaterra, Japão, entre outras – projeta um espectro sombrio
para a humanidade, já que permite que o total desrespeito aos mais
elementares direitos humanos e os mais bárbaros crimes de guerra possam
ser praticados sem nenhuma punição.
3. A
aprovação da União Européia à invasão por meio da palavra do seu
presidente pro tempore,
o sinistro Vaclav Havel, contra a opinião de grande parte da população
da região, prenuncia um futuro incerto para a Fortaleza Europa – como
tem sido chamada – já bastante fragilizada por políticas econômicas
oligopolistas, práticas autoritárias de governo e posturas claramente
racistas, que começam a ser violentamente repudiadas no interior dos
próprios países membros.
4. A
brutalidade de Israel pode na verdade se constituir numa política de
grandes riscos no curto prazo e de fracasso no médio e longo prazo
porque – mesmo que consiga dominar por completo o território de Gaza – o
que talvez somente possa ser obtido com a total eliminação de todos os
palestinos e muitos suspeitam que esse é o desejo recôndito de Bibi
Netanyahu, o candidato favorito nas pesquisas – se isso não ocorrer,
certamente os judeus da região terão muitos problemas com seus vizinhos
no futuro. Alguns historiadores chegam inclusive a admitir a
possibilidade de desaparecimento do Estado de Israel, país que é uma
verdadeira anomalia no mundo moderno por possuir ao mesmo tempo as
características de um Estado (a forma jurídica), uma religião (o
judaísmo) e uma etnia (semita). Nos últimos anos, dado o extremo
paroxismo que tem cercado esse país e a crescente militarização de sua
sociedade, muitos rabinos de grande respeitabilidade têm questionado
abertamente a existência de Israel, argumentando ser a natureza desse
Estado contrária à doutrina Talmúdica, por sua característica sionista e
claramente totalitária e racista. País hoje dominado por políticos
antiquados e corruptos como Ariel Sharon (até pouco tempo), Ehud Olmert,
Shimon Peres e Ehud Barak, chamados com frequência de nazi-sionistas,
Israel parece estar sendo levado a um ponto quase sem retorno.
5. Por
último mas com grande importância para o Brasil, fica a lição de que
guerras coloniais de conquista como esta podem também vir a ocorrer em
nosso território. Agressões brutais e assimétricas, como as que estão
acontecendo no momento, lembram a necessidade que temos de preservar o
nosso território e as riquezas naturais que possuímos, especialmente na
região mais vulnerável da Amazônia. O fortalecimento da Colômbia, um
país hoje montado nos mesmos moldes de Israel para atuar como um estado
títere a serviço dos interesses coloniais dos Estados Unidos na América
Latina sugere – a partir de alguns fatos já ocorridos no passado – que
tais guerras poderão se repetir no futuro em nosso espaço territorial.
Aqui, como no Oriente Médio, o pretexto pode ser o mais banal possível,
como a ação contra grupos armados adversários, que certamente tentará
camuflar o desejo de se apossar de uma região cujos recursos são vitais
para a humanidade.
Com a
falência financeira e moral dos Estados Unidos e de seus aliados
imperiais, a América Latina começa a perceber que o seu sistema de
referência não está mais no exterior, em valores culturais e espirituais
que nos são completamente estranhos, mas sim no seu próprio interior, no
seu coração mesmo. No imaginário dos brasileiros, pelo fabulesco e a
carga de mitologia que envolve, esse coração estará sempre ligado à
região amazônica, onde será possível criar – se ainda formos capazes de
preservá-la – um novo modelo de civilização no futuro. Que o exemplo de resistência do povo palestino possa nos iluminar e impedir que tomemos o caminho da brutalidade do Estado de Israel.
Sérvulo Siqueira |