1º de dezembro
de 2010
A
revelação de mais de 250 mil documentos pelo
site Wikileaks, a maior parte
deles já contendo informações de conhecimento do público, deve ser vista
com cuidado e analisada com muita atenção. Emerge naturalmente a velha
pergunta de origem latina: A quem
beneficia?, já que percebe-se nos documentos uma clara intenção de
mostrar o apoio que Israel e os Estados Unidos desfrutam no mundo árabe
para um possível ataque ao Irã. Embora o plano – hoje já disposto nos
seus menores detalhes e em marcha acelerada – não seja explicitamente
mencionado, os papéis filtrados mostram uma estreita relação de Israel
com vários países árabes e um amplo consenso entre eles, quando não um
verdadeiro apoio logístico para um devastador ataque à República
Islâmica.
Estes e muitos outros documentos reforçam as suspeitas de que o
site Wikileaks pode ser na
verdade uma ponta de lança da famigerada Agência Central de Inteligência
(CIA), em seu perseverante propósito de criar desunião entre os países
árabes e muçulmanos com o fim de impor a dominação dos Estados Unidos e
de seu Estado cliente, Israel, no Oriente Médio.
Muitos observadores e analistas como Wayne Madsen, F. William Engdahl e
James Petras acreditam que a enorme massa de informações já liberada
pelo site – longe de produzir um esclarecimento sobre fatos importantes
da política mundial – tende a provocar confusão e semear discordância
entre os países, constituindo uma manobra que reforça a hegemonia
unipolar americana. Neste sentido, pode-se lembrar que no episódio de
liberação anterior de documentos ocorrido em julho deste ano, o
secretário de Defesa americano, Robert Gates, chegou a declarar que
“nenhuma fonte ou método sensível de investigação tinham sido
comprometidos pela divulgação”. Ao mesmo tempo, mandou interromper
qualquer inquérito interno na secretaria para apurar as causas do
vazamento, o que levou muitos a pensar que os dados podem ter sido
convenientemente “disponibilizados” no site para cumprir finalidades
políticas.
Na
mais recente liberação pelo
Wikileaks, ocorrida no último domingo, dia 28, o Brasil também foi
agraciado com algumas pérolas de informação, constituídas principalmente
por telegramas, que relatavam peculiaridades da nossa relação com os
Estados Unidos. De todas elas, a de caráter mais retumbante parece ser a
que coloca o atual ministro da Defesa, uma personalidade extremamente
controversa oriunda do antigo período de Fernando Henrique Cardoso – de
quem foi ministro da Justiça e mais tarde ministro indicado para o
Supremo Tribunal Federal, onde se notabilizou como um notório
engavetador de processos polêmicos – na condição de informante de um
antigo embaixador americano no país e crítico da política posta em
prática por seus colegas Celso Amorim, do ministério das Relações
Exteriores, e Samuel Pinheiro Guimarães, da secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República.
Tido
como um dinossauro “serrista” incrustado no governo, Nelson Jobim, que
se notabilizou por ter inserido por vontade própria e sem aprovação do
plenário um artigo na Constituição de 1988, foi também um dos
responsáveis pela não aprovação do Plano Nacional dos Direitos Humanos,
que poderia levar a uma Comissão da Verdade destinada a investigar as
torturas e os assassinatos perpetrados durante a ditadura militar.
No
momento em que o Brasil pretende se libertar da histórica tutela a que
vem sendo submetido há décadas pelos Estados Unidos, a conduta do seu
ministro da Defesa como informante de um embaixador americano é um fato
humilhante que nos deixa na condição de uma subserviente colônia do
“colosso do Norte”, posição que o Itamaraty tentou evitar nos oito anos
do governo Lula que ora se encerram.
Da
mesma forma, coloca a nova presidente em uma situação delicada já que a
imprensa reacionária e fascista do país vem trombeteando com insistência
que Nelson Jobim deverá continuar no posto de ministro da Defesa, como
uma garantia de tranquilidade nas Forças Armadas. Se assim for, se ela
ceder às pressões e mantiver este sinistro personagem como seu fiador
antigolpe, melhor será – para ser fiel à verdade dos fatos – que preste
juramento à bandeira dos Estados Unidos da América.
30 de dezembro
de 2010
De
todos os eventos políticos do ano, a liberação de informações oficiais
pelo site Wilkileaks foi aquele que despertou mais atenção em todo o
mundo. Entre as muitas análises e opiniões contra e a favor emitidas
sobre a divulgação dos documentos merece atenção a reflexão de Michel
Chossudovsky, estudioso da globalização neoliberal e professor de
economia da Universidade de Ottawa, especializado nas políticas e
organismos decorrentes dos acordos de Bretton Woods (Fundo Monetário
Internacional, Banco Mundial e outros):
O
Wikileaks apresenta os elementos essenciais de um processo de
“fabricação da discordância”. O site tem como objetivo expor as mentiras
dos governos e vem liberando importantes informações sobre os crimes de
guerra dos Estados Unidos. Mas, uma vez que o projeto se integra ao
formato dos meios de comunicação tradicionais, começa a ser utilizado
como um instrumento de desinformação jornalística.
Isto
se torna ainda mais claro quando vemos que no Brasil os documentos
obtidos pelo Wikileaks são
editados e publicados pelos jornais O Globo e Folha de S.Paulo segundo
as conveniências desses órgãos de imprensa e mediante acordo celebrado
com seu diretor, Julian Assange.
Em
um artigo intitulado “Fabricando a discordância: o movimento
antiglobalização é financiado pelas elites corporativas”, Michel
Chossudovsky afirma:
É do
interesse das elites corporativas aceitar a divergência e o protesto
como uma parte essencial do sistema, uma vez que não ameacem a ordem
social estabelecida. Seu propósito não é reprimir a discordância mas, ao
contrário, moldar e ajustar o movimento de protesto e estabelecer os
limites exteriores da dissenção. Com o objetivo de manter a sua
legitimidade, as elites econômicas estimulam as formas limitadas e
controladas de oposição... Para se tornar eficiente, no entanto, o
processo de “fabricação da discordância” deve ser cuidadosamente
planejado e monitorado por aqueles que são o objeto do movimento de
protesto.
Segundo Chossudovsky, a máquina de propaganda da Nova Ordem Mundial vem
se tornando cada vez mais sofisticada e já não mais exige que a
reputação de governos como o dos EUA ou de seus dirigentes seja
resguardada. Para o analista, este sistema não necessita que os fatos
relacionados aos crimes de guerra americanos e da Organização do Tratado
do Atlântico Norte (OTAN) sejam protegidos do conhecimento público. Da
mesma forma, os políticos envolvidos nesses crimes são também
“descartáveis”, já que podem ser substituídos: o que precisa ser
preservado e sustentado – segundo Chossudovsky – são os interesses das
elites econômicas que controlam o aparelho político por trás da cena.
Em
relação ao Wikileaks, sabemos
que um certo número de informações – algumas que favorecem a política
dos Estados Unidos e outras que tendem a desacreditá-la – estão contidas
num banco de dados. Depois de seletivamente editadas, essas informações
são então analisadas e interpretadas por alguns meios de comunicação com
os quais o Wikileaks fez acordos – como os jornais
The New York Times, El País,
Le Monde, a revista
Der Spiegel e, no Brasil,
O Globo e a
Folha de S.Paulo – que servem aos interesses das elites econômicas.
Embora as informações do banco de dados do
Wikileaks possam ser
acessadas, o público em geral provavelmente tenderá a ler as matérias
editadas, selecionadas e interpretadas, que serão publicadas nos meios
de informação tradicionais.
Como
esses meios de comunicação já anunciaram com grande destaque que os
documentos obtidos e liberados pelo
Wikileaks têm origem em fontes
seguras, a opinião pública passará naturalmente a considerá-los como a
epítome da verdadeira e fidedigna informação, que esses mesmos órgãos
normalmente se negam a publicar. As notícias são apresentadas em jornais
e redes de televisão, maquiadas com perícia como autênticas, quando na
verdade representam formas distorcidas da realidade dos fatos.
Apresentando-se como paladino da verdade, o
site Wikileaks propõe um
debate sobre a transparência da informação desde que isto não interfira
com algumas premissas da política externa americana, como a “guerra ao
terrorismo”. Segundo o analista, essa estratégia já produziu resultados
no movimento contra a guerra nos Estados Unidos, que passou a proclamar:
– “Somos contra a guerra mas apoiamos a ‘guerra ao terrorismo’”.
Chossudovsky acredita que a verdade nos veículos de comunicação somente
pode ser alcançada por intermédio do desmantelamento do aparato de
propaganda, ou seja, pela “quebra da legitimidade dos meios corporativos
que sustentam os mais amplos interesses das elites econômicas, assim
como o projeto militar global dos Estados Unidos da América”.
Por
outro lado, lembra o autor, precisamos ter consciência de que as
opiniões e pontos de vista críticos ao
Wikileaks não sejam usados
como um instrumento para censurar a Internet, ação que tem sido tentada
em várias partes do mundo – e, devemos acrescentar, também aqui no
Brasil – por fascistas de todos os calibres.
Sérvulo Siqueira |