13 de novembro de 2010


 
Nossos heróis morreram de overdose¹

 Nas décadas de 1960 e 1970, os poetas e compositores da música popular eram os nossos olhos e ouvidos, “as antenas da raça” na expressão de Ezra Pound. Bob Dylan, John Lennon, Bob Marley, Crosby, Stills, Nash & Young, Jefferson Airplane, The Who e, entre nós, Chico Buarque, Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Paulinho da Viola, além de muitos outros, cantaram os nossos sonhos e pesadelos, as nossas esperanças mortas e renascidas, transformando-se em porta-vozes não apenas de uma geração mas de toda uma época.

Passados menos de meio século, não há mais vestígios dessa energia. Os antigos ídolos, verdadeiros oráculos de um novo mundo de percepções revolucionárias e avançados padrões de moralidade, são hoje acomodados senhores burgueses, assentados sobre sua glória passada, emitindo na maioria das vezes pontos de vista conservadores sobre política e economia. Bob Dylan se declara sionista, Caetano Veloso é elitista e preconceituoso, Bob Marley morreu abruptamente, John Lennon foi assassinado em condições misteriosas, os Stones viraram um produto de consumo. Há pouco tempo, Crosby, Stills, Nash & Young fizeram campanha para Barack O’Bomb e, nas últimas eleições brasileiras, Chico Buarque deu a sua opinião em favor de Dilma, ou seja, muito poucos ainda são capazes de tomar algum partido.

Conta-se que, no final da década de 80 e início dos anos 90, a Warner – o maior conglomerado de show-business do mundo – se cansou de ver suas estrelas emitirem opiniões políticas contrárias à doutrina do imperialismo americano e decidiu, mediante o pagamento de generosas luvas e rígidos termos de compromisso, estabelecer uma sutil lei do silêncio àqueles que mantinha sob contrato. As rebeldias de John Lennon e Bob Marley – que se opuseram à guerra do Vietnã, defenderam os povos do Terceiro Mundo e apoiaram a legalização da maconha – teriam sido a gota d’água que levou este gigante do mundo dos discos a impor restrições aos artistas, em uma atitude que foi seguida por outras gravadoras.

E quanto aos nossos poetas e trovadores, quais foram as causas da sua transformação? A descrença nas ideologias – resultante do colapso do socialismo na União Soviética e na China – ou a poderosa força da grana, como cantava o outrora poeta baiano? O que determinou a queda da qualidade de sua criação: a falta de uma boa causa pela qual lutar ou o desgaste natural do talento não renovado? Dennis Hopper, um outro rebelde dos anos 60 – depois de convertido ao conservadorismo republicano – era mais sincero e repetia um velho brocardo do conformismo: – Quem não é revolucionário aos 20 anos não tem coração; quem não é conservador aos 60 não tem cérebro.

De onde irão surgir no futuro as vozes discordantes da nossa sociedade? A música popular brasileira ainda será capaz de exprimir – com qualidade melódica e poética – a nossa diversidade social e cultural?

1 Paráfrase da canção Ideologia, de Cazuza.

 Sérvulo Siqueira