Lembranças de Tãozinho

Pedro de Alcântara Peres ou Tãozinho, Pedro Malasartes, meu tio Pedro na sua variedade de nomes e apelidos, não frequentou muitas escolas mas conhecia tão bem os acidentes geográficos que podia discorrer com fluência sobre  o curso dos rios, os lagos e as montanhas, identificava com facilidade os animais e as plantas e era capaz de localizar e nomear muitas estrelas no céu.

Nos seus ombros, eu – ainda menino – comecei a observar o mundo. Irmão mais querido de minha mãe e ainda solteiro, cedo me passou as suas visões, que aceitei às vezes com alguma rebeldia.

Acompanhou Juscelino Kubitschek no caminho para a fundação de Brasília, exercendo as mais diferentes profissões. Levou então para a nova capital a sua família e a partir de lá constituiu seu clã, que se espalhou por todo o país.

Cristão convicto, não era dado a nenhum tipo de catequese e pode-se dizer que sua única forma de proselitismo neste sentido era movida pela solidariedade e atenção que trazia para o com o ser humano, seu semelhante.

Apesar de todas as intempéries que enfrentou, teve êxito em seus negócios mas, por não ser muito dado aos bens materiais, optou por deixar seus bens com a família e ir viver às margens do São Francisco, rio que  − com mais de 70 anos de idade – atravessava de um lado ao outro.

De sua constante atividade como motorista e proprietário de frota de caminhões, caçador e pescador deixou estas lembranças – “memórias se fosse escritor, essas são lembranças”, como dizia – aqui publicadas tanto em seu original manuscrito quanto em letra de forma, que revelam em poucas páginas algumas das características do povo brasileiro: a capacidade de observação arguta e perspicaz, o humor imediato indicador da atenta presença de espírito, o sentimentalismo e a afetividade, a adaptação às dificuldades e a rigidez herdada do colono europeu, a postura iconoclasta, o desprendimento, a sensualidade, o fatalismo e a aceitação do destino, além do respeito e o amor ao próximo.    

Mas, acima de tudo seus “causos” – conforme a coloquial expressão mineira – lançam uma luz sobre a personalidade de um ser humano que viveu uma longa vida e soube fazê-lo com a sabedoria e a ternura que é o apanágio dos verdadeiramente fortes. (SAS) 

Original manuscrito
Original digitado