Guerra nas Estrelas: A qualidade do banal

 

De repente, com a interrupção das grandes viagens espaciais, e a constatação de que não há vida em Marte, recomeçam as fantasias cósmicas. Como a realidade parece ser muito crua e as pesquisas científicas são laboriosas e nem sempre compreensíveis ao grande público, é preciso alimentar a fantasia para além das possibilidades atuais da corrida espacial.

Uma fantasia que implica num retorno ao passado, ao mundo onde nós, espectadores, éramos crianças, líamos as revistas de Flash Gordon, Brick Bradford e Buck Rogers, e assistíamos os seriados nas matinées de cinema. Star wars começa com letreiros como nas velhas estórias: "há muitos e muitos anos atrás..." para terminar apoteoticamente numa passarela-clichê na qual desfilam os heróis-personagens aclamados pela multidão.

Uma tendência, cinematográfica por excelência, resumida por John Ford ao afirmar, nas palavras de um dos seus personagens, que "quando a realidade interfere com a lenda, imprime-se a lenda". E afinal, como as sondas não nos revelaram homenzinhos verdes em Marte, e a Pioneer-11 viaja para fora do sistema solar, a realidade cede lugar ao imaginário.

O filme encaixa-se portanto em várias possibilidades: para as crianças é uma espécie de síntese daquilo que elas não puderam ver, os seriados de heróis espaciais frutos de uma produção em série que não há mais hoje, para o diretor-autor George Lucas, talvez uma fusão mais amena e comercial entre as investigações empreendidas no futurista "THX" e no nostálgico "American Graffiti" e, para o cinema de espetáculo, a abertura de uma nova frente de onde virão close encounters com seres extraterrenos, Buck Rogers – filmes já lançados nos EUA e, certamente, muitos outros.

Guerra nas estrelas seria então uma síntese mais aperfeiçoada de sua própria matriz, o detalhe nobre que faz lembrar a produção em série, a qualidade do banal. Este detalhe, seu maior trunfo, está mais na tecnologia aplicada em sua realização, nos gadgets e truques cinematográficos que consistem em criar figuras minúsculas por meio de efeitos óticos, nas reconstituições de alguns desenhos de gibis e outros artifícios com os quais busca assegurar a sua característica de produto novo.

Esta distinção qualitativa dos velhos seriados exibe, no entanto, o seu lado mais espetaculoso e seria apenas para usarmos uma outra imagem da cultura de massa - uma referência que nos informasse se uma camisa Lacoste é nacional ou importada, como – por exemplo – por meio da observação da posição do jacaré, etc... No entanto, como a provar a sua dívida para com o passado, o melhor momento do filme se mostra numa expressionista recriação de um entreposto galáctico - na verdade uma espécie de "Casbah espacial" , com sua corte de homens-formigas, homens-leões, duendes e monstros saídos da imaginação dos desenhistas de quadrinhos, Alex Raymond principalmente.

 

Sérvulo Siqueira  

 

Publicada no jornal O Globo em 30 de janeiro de 1978