Gene Hackman no Brasil

Uma pausa no cinema para as corridas de Fórmula-1

 

Entrevista a Sérvulo Siqueira

 

Com seu semblante de americano típico de meia idade – apesar da sua condição de descendente de judeus – Gene Hackman, 49 anos completos na semana passada, entrou no restaurante do Méridien, depois de ter se feito espera por durante mais ou menos duas horas. Sua passagem pelo Rio, a principio anunciada como parte da divulgação do recém-lançado Superman, era finalmente confirmada como a presença de um simples aficcionado de corridas de automóveis – por ocasião de mais um evento de Fórmula-1 no Brasil – a ser realizado no próximo domingo em São Paulo. Na verdade, Hackman confessa que o sucesso ou a divulgação da superprodução de Alexander Salkind independe de sua presença - e por ela não se interessa. Importa-se, sim, com o sucesso da escuderia Arrows, á qual está ligado, apesar de achar que Mário Andretti poderá ser o vencedor. Seu negócio, no entanto, é o cinema – pelo qual chegou a ganhar dois milhões de dólares (Cr$ 40 milhões) no Super-homem – embora ainda cultive os hobbies do avião – tem um biplano no qual costuma se divertir nas horas vagas – e, juntamente com Steve McQueen e Paul Newman, participe das corridas de carros. A conversa só poderia versar, então, sobre o cinema, acerca do qual discorreu, lembrando também sua vida de marinheiro, porteiro de hotel, vendedor de sapatos femininos e motorista de caminhão, entre outros, além dos 33 filmes que realizou em mais ou menos dez anos de trabalho.

  

– Você se considera um bom ator?

– Eu imagino que sim, do contrário não receberia tanto dinheiro pela minha participação em "Superman". Mas a verdade é que eu acho que não valho tanto, o que acontece é o uso que eles fazem da minha imagem. Apesar de tudo eu estudei bastante para chegar a este ponto.

Gene Hackman acredita que tem o tipo exato para fazer o papel do detetive americano. Até agora somente fez personagens dramáticos no cinema e Lex Luthor, o gênio mau do Super-homem representa a sua primeira entrada em cena no gênero da comédia. Este é um meio de sair da rotina e de se lembrar dos tempos de teatro, em que fazia comédias. Para tanta versatilidade, acredita que possui um método "dialético", através do qual procura encontrar primeiramente o seu idêntico, "o ponto igual a mim mesmo", e depois "um ponto contrário". Ele explica:

– Do meu ponto de vista, Lex Luthor, o inimigo do Super-homem, que deseja aniquilar o mundo civilizado, representa o lado positivo da energia do homem, seu amor pela guerra e os sonhos de poder: dinheiro, imóveis e mulheres bonitas. Este, para mim, é o seu lado positivo, que eu combino com seu caráter negativo de criminoso, uma pessoa que não é amável, o vilão da história.

Esta dialética Hackman extraiu dos mais desencontrados personagens que interpretou ao longo de sua carreira, desde os obscuros coadjuvantes de vilão ou herói até o detetive Popeye Doyle em Operação França, que lhe deu o Oscar e a fama. E para isso, ele confessa que se preparou durante muito tempo, sobrevivendo graças a diferentes profissões:

– Estive na Marinha americana durante seis anos como operador de rádio. O meu comando participou da Guerra da Coréia mas eu não cheguei a ir lá. Estive somente na China em operações e em alguns lugares do Oriente, Depois fui porteiro num hotel de Nova York por algum tempo, vendedor de sapatos para mulheres, motorista de caminhão e mais alguns galhos. Tudo para poder estudar Arte Dramática. Eu sou da Califórnia, de uma família pobre, e tive que me virar.

Aqui no Brasil Gene Hackman veio para assistir à corrida de Fórmula-1, esporte do qual é aficcionado e onde conhece as grandes estrelas. Sugere uma vitória do corredor americano Mário Andretti, mas se declara ligado à equipe Arrows, também americana. Além da paixão de espectador, diz que ainda poderá participar de um filme como corredor, como o fez recentemente em "Fórmula 1", filme de Mário Morra e Oscar Orefici, que será lançado brevemente. E acrescenta:

– Steve McQueen, um velho amante das corridas, não corre mais, mas eu ainda posso fazê-lo como Paul Newman, que continua a se arriscar, assim como também me divirto num biplano que comprei há alguns anos".

Esta é a razão de sua presença no Brasil, ao lado de um filho menor e da mulher. Embora a sua presença possa ser confundida por alguns repórteres com a promoção do Super-homem, Hackman descarta qualquer ligação.

– O meu trabalho já terminou, fiz a minha parte e recebi o dinheiro, o resto os divulgadores e produtores sabem que podem receber com as atrações e o elenco que reuniram. - É a minha imagem, - acrescenta - assim como a dos outros atores do filme, que os produtores valorizam. Ela é que irá render os frutos do seu alto investimento. De resto, eu resolvi parar por algum tempo. Estou cada vez mais criterioso com os filmes que devo fazer, escolho muito os roteiros porque sei que os filmes nos Estados Unidos são feitos para dar dinheiro. É por isso que o cinema europeu tem mais mística, o idioma é diferente e, além do mais, ele nem sempre é feito só para dar dinheiro.

Gene Hackman fica com o filho e a mulher em São Paulo até segunda-feira de manhã, quando volta ao Rio, para depois seguir rumo aos Estados Unidos. Desculpa-se pelo pouco tempo concedido aos jornalistas e promete uma nova conversa segunda ou terça-feira, já que esta é a "primeira vez que estou na América do Sul, à exceção de uma passagem por Caracas".

 

Entrevista publicada no jornal O Globo em 1º de febereiro de 1979