26 de setembro de 2022
De São Bernardo do Campo ao Alto de Pinheiros
Caminhamos para mais uma eleição presidencial, o nono pleito desde o fim da ditadura de 1964-1985, em uma situação em que os partidos políticos vigentes, que nascem a cada estação, perderam toda a sua substância e já não são mais capazes de propor um programa consistente para todo o país. Por sua vez os dois candidatos mais bem
colocados nas pesquisas, políticos de larga tradição no cenário,
apresentam diferenças entre si que se pode considerar como de
personalidade e estilo. Como raposas experientes, naturalmente souberam
trocar as suas peles ao longo do percurso de sua extensa carreira. O atual incumbente do cargo busca no momento
disfarçar o seu confessado apoio à tortura, as antigas declarações de
que para mudar o Brasil “seria necessário matar uns 30 mil”, o
envolvimento com grupos de milícia e o entreguismo deslavado do
patrimônio nacional sob a máscara de reformador dos costumes. De outra parte seu opositor, um antigo operário
e ex-presidente, agora alia-se a banqueiros, industriais, ex-ministros
da ditadura militar e evoca outros tempos de muitas promessas e algumas
poucas realizações. Na curta e insípida campanha eleitoral que deve
se encerrar em poucos dias, os dois oponentes não apresentaram nenhum
programa de governo para retirar o Brasil de uma de suas piores crises
da história. Este fato é um indicador do que muitos analistas
já vêm apontando há algum tempo: desde os anos 1980 os partidos
políticos de esquerda e de direita em todo o mundo ocidental vem se
aproximando de tal forma que ₋em muitos pontos ₋sua diferença tem se
tornado quase imperceptível. No Brasil de hoje, por exemplo, pode-se dizer
que os traços distintivos entre um e outro se caracterizam por detalhes
de comportamento e de personalidade, já que ambos parecem no momento
abraçar o projeto neoliberal capitalista em curso: de um lado o
grosseirão de pavio curto que dá uma falsa impressão de sinceridade e
espontaneidade e de outro, a figura mais suave, maneirosa, certamente
mais sensível ao sofrimento das classes desfavorecidas, embora nem
sempre suficientemente sincero em seus propósitos. Entre os demais candidatos, apenas um outro se
distingue por seus projetos e competência mas não consegue a exposição
desejada porque ousou confrontar ₋ ainda que de forma muito moderada ₋ a
velha ordem das capitanias hereditárias ao propor uma pequena taxação
das grandes fortunas como um meio para angariar recursos que serviriam
para reduzir a enorme desigualdade de renda no país. Como atua numa faixa da opinião pública próxima
à do candidato favorito nas pesquisas, sofre no momento grandes pressões
₋inclusive no plano internacional ₋para que renuncie a fim de
possibilitar a derrota do atual presidente ainda no primeiro turno. Em
seu afã de exercer essas pressões, a antiga esquerda ₋ que hoje não
ostenta mais do que as pautas identitárias do politicamente correto ₋vem
recorrendo a métodos que levaram o candidato que sofreu esta coação a
considerá-los como “fascismo de esquerda”. Em meio a tudo isto, espera-se que no próximo
domingo, dia 2 de outubro, a maioria dos brasileiros deva escolher o
candidato considerado menos pior pelo sistema, apresentado hoje como um
reificado Padre Cícero de São Bernardo do Campo, atualmente residindo no
bairro burguês do Alto de Pinheiros, em São Paulo. No entanto, muitos ainda se perguntam se não
estaria certa a militante anarquista Emma Goldman, quando afirmou em
meados do século passado: ₋ Se a eleição mudasse alguma coisa, eles não a permitiriam.
Sérvulo Siqueira
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