26 de novembro de 2016

 

A Esquerda que a Direita gosta

 

 

Muitos brasileiros já terão notado e alguns até poderão sentir orgulho ‒ se é que orgulho é algo que se pode experimentar nos dias de hoje neste país ‒ porque começa a ocorrer nos Estados Unidos um fenômeno que vivemos desde 2014.

Assim como aconteceu logo após a vitória de Dilma Rousseff nas eleições presidenciais, os derrotados no recente pleito norte-americano recusam-se a aceitar o resultado final e deflagram um processo cujo objetivo último é impedir a posse do presidente eleito, Donald Trump, ou derrubá-lo posteriormente. Para isso se servem de um amplo leque de recursos que vai desde manifestações públicas organizadas com a participação de pessoas previamente contratadas, campanhas de sabotagem nos meios de comunicação  ‒ que lá como cá não passam de prostitutas sem a menor respeitabilidade ‒ apelos histéricos que levam a atos de violência, como prova o incontável número de partidários do candidato vitorioso que tem sido alvo de agressões físicas, além de outras formas de chantagens e pressões.

Neste processo muito poucos podem ser considerados inocentes úteis.

O mais recente ato dessa farsa acaba de se dar com o pedido de recontagem de votos no estado de Wisconsin apresentado pela candidata do Partido Verde, Jill Stein, que obteve menos de um por cento dos votos. Será que a Sra. Stein considera que (K)illary Clinton, em cujos ombros pesa a morte de centenas de milhares de vidas em razão das ações que apoiou e defendeu contra a antiga Iugoslávia, o Afeganistão, Iraque, Líbia e Síria para citar apenas os casos mais graves, e que é também acusada de corrupção além de provavelmente ter cometido crime de alta traição à sua pátria, pode ser considerada menos letal se comparada com um astuto empresário que se serviu do sistema para angariar uma fortuna de bilhões de dólares? Não, certamente Jill Stein não é ingênua. Na verdade, a recontagem de votos somente se tornou possível com doações em dinheiro de militantes e apoiadores do Partido Democrata, cuja candidata (K)illary Clinton perdeu as eleições na maioria dos estados americanos.

Coincidentemente também para nós, os patrocinadores das manifestações nas cidades dos EUA são George Soros e os irmãos Koch, que também financiaram os protestos contra Dilma Rousseff no Brasil. Será que alguém se lembra de Joschka Fischer, do Partido Verde alemão, que apoiou o terrível bombardeio da OTAN que destruiu o que ainda restava da antiga Iugoslávia em 1999 e deixou um rastro de milhares de bombas compostas por fósforo empobrecido, um material altamente letal? Uma biografia autorizada da candidata do Partido democrata derrotada nas recentes eleições revela que ela se gaba de ter influído decisivamente para que seu marido Bill Clinton bombardeasse centenas de escolas e hospitais naquele país.

Aqui no Brasil, nós certamente conhecemos muito bem Marina Silva, a antiga seringueira que hoje se veste nas melhores grifes, cujo marido já esteve envolvido na exportação ilegal de madeira de lei e que trabalha para George Soros, o patrono das revoluções coloridas em todo o mundo. Soros tem sido também responsável por ações de especulação que já levaram à destruição da vida econômica de muitos países pobres. Também não podemos nos esquecer dos próceres do Partido Verde no Brasil, Fernando Gabeira e Eduardo Jorge, que destruíram a credibilidade de sua causa levando a sua agremiação a apoiar o soturno José Serrote, derrotado duas vezes em eleições presidenciais. Conquanto não se possa dizer que Joschka Fischer, Fernando Gabeira e Eduardo Jorge sejam ingênuos ou inocentes úteis muitos apoiaram as suas teses induzidos por falsas boas intenções.

Como se sabe, uma grande confusão se instalou na Esquerda depois do fim da União Soviética em 1991.

Como parte do projeto ideológico que se tornou hegemônico, a doutrina do politicamente correto levou alguns setores da Esquerda a substituir a sua antiga aspiração de transformação da sociedade pela reivindicação de reformas tópicas ligadas à defesa das minorias e às políticas de gênero.

Argumentava-se que uma vez que o socialismo havia fracassado ‒ quando na verdade nem havia sido colocado de fato em execução ‒ cabia então à sociedade produzir reformas que a ajustassem ao modelo neoliberal dominante.

Com base nesses princípios, uma parte da Esquerda apoiou causas altamente polêmicas como a destruição de estados governados por políticos autoritários como Sadam Hussein e Muamar Kadhaffi, o que satisfazia o interesse dos americanos e de Israel, além de favorecer a política sectária da Arábia Saudita e do Qatar de divisão do mundo muçulmano.

A postura belicosa genocida posta em prática por Hillary Clinton ao longo de sua contínua ligação com o Poder desde os dois mandatos de seu marido, Bill Clinton, nos anos 1990, se serviu deste apoio cooptando algumas de suas figuras mais representativas. Parte da intelectualidade americana e o cinema de Hollywood se beneficiaram então de um grande apoio publicitário e financeiro. Personalidades como Angelina Jolie e George Clooney, por exemplo, se tornaram verdadeiros mascotes de políticas imperialistas americanas na África e alhures.

Durante a campanha eleitoral norte-americana, que acaba de se encerrar, a histeria anti-Trump chegou a níveis tão elevados que muitos membros da comunidade do show-business de Hollywood anunciaram que se mudariam para o Canadá, caso o candidato republicano fosse vitorioso.

Tendo resistido às mais torpes acusações, Donald Trump venceu as eleições no colégio eleitoral, o que forneceu a justificativa para estratégias visando impedi-lo de tomar posse ou a sua futura derrubada.

Assim como no Brasil em relação à Dilma, as manifestações contra a sua vitória nunca foram além de 100 mil participantes, pagos em sua maioria por organizações como MoveOn e Change, que têm como seus patrocinadores George Soros e os irmãos Koch,  que exploram preferencialmente as riquezas do subsolo.

Por certo, não é difícil de encontrar razões para se opor a Donald Trump. Suas posições claramente conservadoras e as declarações polêmicas que faz foram amplificadas e em muitos casos distorcidas pelos corporativos meios de comunicação.

No entanto, a despeito da intensa de demonização que vem sofrendo, o povo americano e especialmente os setores mais pobres da população votaram maciçamente no candidato republicano. Os analistas têm observado que o voto negro ‒ tanto por seu apoio a Trump quanto por sua recusa em apoiar Hillary ‒ foi decisivo no resultado final do pleito.  

No Brasil, muitos setores que se dizem de esquerda têm estigmatizado Trump por suas declarações contra os imigrantes latinos, que em muitos casos foram exacerbadas pela imprensa gringa.

No entanto, um observador arguto e nem de longe partidário de Trump como o jornalista e cineasta australiano, John Pilger, não o considera propriamente como um racista. Para Pilger, Trump é na verdade um isolacionista e, nesse sentido, ele se insere numa corrente que é amplamente disseminada nos Estados Unidos.

Como o magnata William Randolph Hearst, o Cidadão Kane celebrizado por Orson Welles, Trump representa uma corrente de pensamento que deita suas origens nos primeiros colonos, que cruzaram o oceano em busca de um novo continente onde pudessem exercer amplamente a sua individualidade. Um claro sinal indicador dessa visão é o fato de que Trump foi preferencialmente votado nos estados do interior dos Estados Unidos, onde o espírito que moveu os antigos colonos é ainda muito forte.

Indiscutivelmente, esse espírito é contra o poder hegemônico nos Estados Unidos, ou seja, os banqueiros de Wall Street e os fabricantes da indústria bélica que hoje detêm o controle absoluto da economia americana. Esse controle levou à pauperização crescente da enorme classe média nos EUA em razão da saída das empresas do país, do consequente desemprego, da crise imobiliária e ao aumento da violência policial contra os menos favorecidos. Como já antecipava o filósofo americano Richard Rorty, em 1998, “o eleitorado não suburbano decidirá que o sistema faliu e buscará um homem forte em quem votar, alguém disposto a lhes garantir que, uma vez eleito, os burocratas arrogantes, os advogados astutos, os vendedores de ações com salários excessivos e os professores pós-modernos deixarão de ser aqueles que tomam as decisões".

Hillary Clinton esteve presente – tanto na condição de conselheira do marido quanto como senadora, e mais tarde secretária de Estado – durante todo esse processo. Donald Trump, embora tenha se beneficiado dessa política, não pode ser considerado até agora como representante desse sistema de poder encarnado pelos banqueiros de Wall Street e pelos fabricantes de armas. Na verdade, ninguém representou melhor esses vampiros do que Hillary – que por suas posições ganhou o apelido de (K)illary e é frequentemente chamada de A Bruxa Malvada do Ocidente – ao defender a política genocida americana, fazer conferências cobrando milhões de dólares para banqueiros parasitas e sanguessugas e receber apoio financeiro de ditaduras cruéis como a Arábia Saudita.

A vitória de Donald Trump que, paradoxalmente, se situa ainda mais à direita, representou a recusa por uma parte da sociedade americana dessas políticas que negam o projeto de construção contido na fundação do país. O futuro dirá se Donald Trump vai cumprir o que prometeu.


Sérvulo Siqueira