19 de outubro de 2012
Negociata é todo bom negócio para o qual não fomos convidados. Barão de Itararé
Há um bom tempo a oligarquia brasileira esperava por este
momento. Depois de seguidamente derrotada e cada vez mais perdendo
terreno, desmoralizada, considerada responsável por graves crimes contra
o patrimônio da nação, o julgamento do chamado “mensalão” representou
para a velha direita do nosso país a esperança de obter por intermédio
dos poderes da Justiça – sempre suspeitos, discricionários, injustos e a
serviço dos poderosos – o que não vem conseguindo por meio dos votos. Ao
programar o julgamento simultaneamente com as eleições municipais, os
neoliberais do PSDB, os ruralistas do DEM, os tradicionais fascistas
rancorosos e os meios de comunicação imorais e mentirosos esperavam que
os doutos senhores do Supremo pudessem lhes fornecer os argumentos com
os quais pretendem tomar o poder.
Ainda não alcançaram o seu objetivo. Apesar da cobertura
tonitroante que o tribunal de exceção criado para o julgamento recebeu
dos veículos de comunicação e da demonização prévia imposta aos réus, a
população votou nos candidatos do partido que estavam sendo submetidos a
processo.
Não contente com o escândalo artificial que produziram, a
casta da Justiça e seus associados criaram um dos episódios mais
sinistros da nossa história, sempre alardeando estar julgando o “maior
escândalo de corrupção do Brasil”. Em seu intento de produzir uma peça
acusatória convincente, fascistas de ontem e de hoje valeram-se de um
verdadeiro Exército Brancaleone: um procurador que não demonstrou
nenhuma competência jurídica em sua denúncia e juízes que, entre outros,
bebem e batem na mulher, defendem o golpe militar de 1964 como “um mal
necessário”, concedem habeas corpus a notórios criminosos e
recusaram-se a imputar o ex-presidente Fernando Collor de Melo “por
falta de provas”, mas condenam o ex-ministro José Dirceu, apesar da
absoluta falta de provas. Mais assustador ainda é quando o presidente da
Suprema Corte nega-se a usar o seu direito de voto de desempate com o
argumento de que “isto iria beneficiar o réu”. Aquele que deveria ser um
momento histórico de aplicação da justiça no país se transformou em um
dos mais vergonhosos episódios de toda a história política do Brasil.
Existe hoje entre uma parcela da população o sentimento
de que em seu desespero para recuperar o prestígio que perdeu junto ao
voto popular, a direita mais reacionária e façanhuda tenha violado um
acordo que presidiu durante séculos as relações entre as elites que
governaram o Brasil. Insuflados pelos meios de comunicação que os
transformaram em estrelas do jornal da noite e pressionando de maneira
acentuada por uma cabal condenação de seus adversários – mesmo ao revés
da falta de provas e frequentemente contra muitas evidências em
contrário – os novos guardiões da moralidade vigente talvez tenham
violado uma espécie de acordo consensual de silêncio estabelecido entre
os poderosos que recomenda que a apuração dos crimes não deve romper a
ordem dos costumes, ou seja, aqueles que detêm o poder devem perdoar-se
mutuamente de suas faltas mais clamorosas para evitar que o grosso da
população – a gentalha, a ralé, segundo sua própria
expressão – fique a par do que acontece por debaixo dos panos.
Correm agora o risco de se desmoralizar por completo se
os padrões que empregaram para condenar os inimigos políticos forem
usados também para julgar os crimes que cometeram neste país, o que
confirmaria a previsão de um filósofo humorista do passado:
– Restaure-se a moralidade ou nos locupletemos todos!
O objetivo de toda essa heterogênea camarilha é
certamente ir mais longe e proscrever da vida pública a figura do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está em vias de impor uma
humilhante derrota a um dos principais representantes desse saco de
gatos político nas próximas eleições para a prefeitura de São Paulo.
No momento em que o imperialismo norte-americano urde
novos tipos de golpe como o que ocorreu recentemente no Paraguai, onde
um parlamento corrupto e venal destituiu em cerca de duas horas o
presidente legítimo do país, suspeita-se que esteja em processo um novo
tipo de golpe, o Judiciário.
Aqueles que têm algum conhecimento da história do nosso
país, que possuem a consciência de que os malfeitores sempre ganharam a
maior parte das batalhas e de que raras vezes a grande população saiu
vitoriosa, temem uma reedição dos tempos de João Goulart, quando a velha
UDN, hoje reencarnada no sinistro PSDB, não tendo conseguido obter os
votos que almejava para chegar ao poder, aliou-se aos militares e ao
imperialismo americano para o fatídico golpe de 1964.
Hoje, não conseguindo provavelmente angariar o apoio do
estamento militar, aproxima-se da justiça e de sua sinistra casta sem
nenhuma ética ou escrúpulo, para forjar novos e diferentes ensaios de
golpe de Estado. O conluio está carregado de tons sombrios e ameaça
produzir uma grande crise institucional no Brasil.
Afinal, o que poderá pensar o cidadão quando perceber que
a mais alta Corte de Justiça do país condena réus sem nenhuma evidência
de culpabilidade? Mais ainda, como o brasileiro comum poderá respeitar
qualquer juiz de comarca quando vê que os mais conspícuos togados da
República lavam roupa suja sem nenhum pudor e ofendem-se mutuamente em
plenário?
Será que alguém quer voltar aos tempos do Julinho da
Adelaide, o compositor fictício inventado por Chico Buarque para driblar
a censura da época da ditadura, que cantava estes versos? Acorda amor/ Eu tive um pesadelo agora/ Sonhei que tinha gente lá fora/ Batendo no portão, que aflição/ Era a dura, numa muito escura viatura/ Minha nossa santa criatura/ Chame, chame, chame lá/ Chame, chame o ladrão, chame o ladrão.
Sérvulo Siqueira |