18 de outubro de 2010

 

Os tempos mudam: duas histórias sobre Fernando Gabeira

 

Belo Horizonte, 1963. Flávio Márcio, do jornal Correio de Minas, escreve uma crítica sobre um filme interpretado por Jean-Paul Belmondo. O editor-chefe, Fernando Gabeira, considera que a crítica faz um elogio dos predicados físicos do ator e demite Flávio Márcio, jornalista que mais tarde iria se tornar o premiado autor da peça Réveillon. Na época, o estalinista Gabeira era homofóbico. Convidado a substituir o jornalista demitido, tive a oportunidade de publicar – aos 16 anos de idade – o meu primeiro artigo num jornal.

Rio de Janeiro, 1989. Durante a campanha presidencial, a extinta Rádio Jornal do Brasil AM convidava os candidatos para um debate. Em um desses encontros, reunindo Fernando Gabeira, candidato do PV, e Roberto Freire, do PCB, Gabeira afirmou de forma solene que os comunistas gostavam mesmo era de chapa branca. Roberto Freire respondeu na bucha, embora sua resposta não fosse exatamente verdadeira:

‒ Se você vir um comunista num carro oficial é porque ele está sendo levado preso para algum lugar!

Hoje, ao lado dos latifundiários da UDR, dos fanáticos da TFP, dos fascistas da Opus Dei e dos entreguistas do PSDB, o ex-estalinista Fernando Gabeira e o antigo comunista Roberto Freire apoiam o beato José Serra para presidente.

Numa genial meditação sobre a condição humana, Georg Buchner refletia no Woyzeck:

‒ Todo homem é um abismo. Fica-se tonto quando se olha dentro dele.

Abismos são desafios. Alguns são fascinantes, pelos mistérios que contêm. Outros – como os que nos esperam com essa turma – são banais e previsíveis. Não valem o risco.

 

Sérvulo Siqueira