17 de setembro de 2018

 

O falso dilema entre a pseudoesquerda e a direita rancorosa

As próximas eleições presidenciais ocorrem num momento de grande obscurecimento do país, com a vigência de um governo ilegítimo nascido de um golpe jurídico-midiático-parlamentar, um desemprego em larga escala, a entrega do patrimônio público ao capital estrangeiro e a perspectiva de vitória de um projeto de governo fascista no Brasil.

De um lado se apresenta um candidato que prega abertamente o ódio e encarna o sentimento mais sombrio do preconceito e da recusa da convivência com o contraditório, o que pode ser caracterizado como o epítome do obscurantismo.

De outra parte, o candidato do Partido dos Trabalhadores que – depois de ter esperado no banco de reserva que o titular do posto fosse declarado inelegível – entra no campo de jogo destituído de luz própria porque, de imediato, já se apodera de ideias de um opositor, o candidato Ciro Gomes.

Ao agir desta forma, Fernando Haddad corrobora a conduta de seu líder Luís Inácio da Silva que – usando métodos pouco ortodoxos e descartando os laços de amizade e os escrúpulos que conviriam ao caso – impediu que o candidato do Partido Democrático Trabalhista construísse uma aliança com o Partido Socialista Brasileiro, o que lhe permitiria desfrutar de um tempo de propaganda um pouco maior no horário eleitoral do rádio e da televisão.

Uma das questões que se levantam neste momento é se Haddad – depois de ter sido fragorosamente derrotado pelo lobista João Dória no primeiro turno das eleições para prefeito de São Paulo, no momento em que buscava sua reeleição – terá condições de projetar uma personalidade própria capaz de distingui-lo de seu patrocinador, que se encontra no momento preso em Curitiba.

Na verdade, muitos acreditam que, na hipótese de vir a ser eleito, seu governo poderá vir a ser uma repetição dos desacertos da administração de Dilma Rousseff – que se caracerizou pela adoção do modelo neoliberal mais estrito de privatizações, com a indicação de um funcionário do Bradesco como ministro da Fazenda e uma insensibilidade pouco apropriada diante dos problemas da população – que certamente contribuíram em larga escala para a sua queda.

Uma possível opção, no segundo turno das eleições, entre estes dois antagonistas também é do agrado das elites que dominam este país há séculos porque se o candidato fascista – no momento sob internação hospitalar e em recuperação de um atentado a faca – defende abertamente o grande capital e propõe a privatização de todos os bens do Estado brasileiro, o postulante Fernando Haddad – ao mesmo tempo em que anuncia se comprometer com algumas mudanças nas injustas estruturas econômicas e sociais do país, mesmo que isto implique em tomar de empréstimo algumas ideias de seu concorrente − representa um partido que durante os quase 14 anos em que esteve no poder no Brasil não demonstrou competência ou vontade para realizar uma auditoria das dívidas externa e interna, deixou de fazer as necessárias reformas rural e urbana que mudariam o nosso perfil habitacional, não reviu muitas danosas privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso e não dispôs de coragem suficiente para taxar as grandes fortunas ou os lucros escandalosos do setor bancário, além de ter pactuado alianças com Sarney, Temer e Garotinho e se envolvido no lodaçal de corrupção que assola o Brasil desde a sua formação.

Após decorridos 33 anos desde o fim da ditadura e 29 anos da primeira eleição presidencial com voto livre e direto, o Brasil ainda vive o antagonismo entre dois de seus maiores partidos: o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que se alternaram no poder ao longo de quase todo este período e o balanço que se pode fazer é que ambos fracassaram em seu propósito de proporcionar uma melhor qualidade de vida para todos os brasileiros.   

Se o PSDB assumiu como bandeira um projeto baseado no modelo neoliberal ortodoxo de privatizações, desregulamentação, superávit primário e indicadores de grau de investimento estabelecidos por agências de risco, o PT − quando instalado no poder − não rompeu com este modelo mas incorporou o catecismo, agregando a ele a rede de proteção social do Bolsa Família proposta pelo Banco Mundial, o que permitiu a Lula e sua sucessora a permanência no poder por quase 14 anos.

Ambos os partidos terminaram infestados pela corrupção e enquanto o PSDB derivava continuamente para a direita e com isto perdia credibilidade, ficando cada vez mais afastado do poder, o PT era derrubado da presidência em 2016 depois que a NSA, agência de informações norte-americana, forneceu subsídios para que um juiz de primeira instância de Curitiba tivesse condições de criar uma operação policial que mergulhou nos subterrâneos do poder e pudesse chegar a auxiliares diretos da presidência, o que desencadeou um movimento conspiratório que teve como figuras centrais membros do PSDB, PMDB, do judiciário e o próprio vice-presidente da República.

Nascido em 1980, o Partido dos Trabalhadores continua sendo o que dele disse certa vez Darcy Ribeiro: “o PT é a esquerda que a direita gosta”. Após o colapso do socialismo, o partido pretendeu assumir a liderança da esquerda no Brasil e ainda mesmo antes do fim da União Soviética impediu durante os debates sobre a Constituição de 1988 a criação da unicidade sindical no Brasil nos moldes do que ocorre na França e na Argentina, onde um sindicato geral dos trabalhadores possui uma grande capacidade de impor a sua força, o que o torna capaz de promover greves gerais na defesa dos interesses da população.

No Brasil, a pluralidade sindical e a ausência de uma confederação única dos trabalhadores levaram ao nefando sindicalismo de resultado e ao retorno do peleguismo, gerando excrecências na vida política que afetam hoje até mesmo o próprio PT no momento em que o partido deveria criar uma grande mobilização popular para libertar o seu líder, que está na cadeia.  

O monolitismo do PT repetiu de certa maneira a conduta do velho Partido Comunista estalinista dos anos 1940 e 1950, lembrado por Jean Paul Sartre na peça Les mains sales (As mãos sujas), onde se dizia que para ser comunista é necessário entrar para o PC e “sujar as mãos”. Nos anos 1980 e 1990, o PT impunha aos seus militantes uma disciplina férrea que obrigava os filiados a cumprir rigorosamente os ditames da direção, como ocorreu com o então deputado Airton Soares que votou em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral em 1984, o que provocou a sua expulsão, e a hostilidade sofrida pela ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina após ter participado do governo Itamar Franco em 1993.

Se nos anos 1990 era o PT quem mobilizava grandes massas com reivindicações populares, hoje é o deputado Jair Bolsonaro – embora em número muito menor – quem galvaniza uma parte das aspirações populares com seu discurso calcado na vingança e no recalque.

Após o atentado de que foi vítima, grupos partidários de Jair Bolsonaro vêm percorrendo as ruas de inúmeras cidades do país e alguns já chegaram inclusive a cometer atos de violência, como o que ocorreu no último domingo, dia 16, quando um casal partidário do deputado recém-esfaqueado agrediu a deputada Benedita da Silva em Niterói.

Ainda sobre o episódio do atentado, é necessário considerar que pairam muitas dúvidas sobre as circunstâncias de sua execução, a figura do perpetrador, o patrocinador da equipe dos seus cinco bem remunerados defensores e até mesmo acerca do companheiro de chapa do candidato a presidente, cuja conduta tem se revelado em alguns casos no mínimo bizarra e oportunista.

Olhando com mais atenção, uma avaliação destes dois candidatos propostos revela que eles não são tão antagônicos assim em suas condutas e personalidades: se na aparência o candidato fascista assume a postura de durão, afirma que o Brasil somente vai melhorar depois que se matar “umas 35 mil pessoas” conforme já afirmou em entrevista, defende o estupro e a tortura, sua posição em relação ao grande capital – cuja capacidade de destruição de vidas é muito grande − é de  liberalidade e docilidade, por sua vez o candidato do PT inicia a sua campanha com uma estranha agressividade ao se apossar de ideias de um concorrente no momento em que transforma o projeto Nome Limpo de Ciro Gomes em Dívida Zero, o que indica uma conduta pouco ética de Fernando Haddad e um viés político oportunista.

A verdade é que esta antinomia se desgastou e hoje se encontra completamente superada. A nação já começa a perceber que será necessário encontrar outra proposta política que mobilize um amplo setor do país e transcenda o ridículo antagonismo de coxinhas e mortadelas, como já foi observado pelo candidato Ciro Gomes. 

Num próximo comentário, analisaremos o programa de alguns candidatos e tentaremos mostrar como talvez seja possível superar esta falsa opção entre lobos e cordeiros, mais uma cortina de fumaça criada para impedir que a nação brasileira escolha um caminho que melhor lhe convém.

Sérvulo Siqueira