12 de outubro de
2014
1964
- 2014: cinquenta anos de solidão
Desde 1964 não ocorria uma aliança de setores tão espúrios da nossa
sociedade como a que está se dando nos dias de hoje.
As
sinistras delações premiadas sem a apresentação de nenhuma prova lembram
o “mar de lama” de 1954 – que levou ao suicídio de Vargas – assim como
as pregações anticomunistas e moralistas de Carlos Lacerda que
antecederam o golpe de 1964.
Tudo
indica que o objetivo deste soturno conluio é implantar uma nova
ditadura fascista ainda pior do que aquela que perdurou até 1985.
A
nossa president(a) considerou o vazamento do áudio da delação premiada
para os grandes meios de comunicação em pleno 2º turno das eleições
presidenciais um “golpe” premeditado.
Será
que ela já se deu conta da extensão do projeto que está em curso? E o
que fará a respeito?
Na
verdade, este caldo de cultura totalitário já existia em 1964 quando
heterogêneos setores de direita se aglutinaram com o objetivo de
derrubar o governo João Goulart, para assim impedir o avanço das
conquistas sociais do povo brasileiro.
Muitos acontecimentos foram esquecidos ao longo do tempo mas, em
qualquer registro que se faça, torna-se inegável que os órgãos de
comunicação do país desempenharam um papel decisivo na ocultação das
informações sobre as prisões arbitrárias, as torturas, os assassinatos
premeditados de opositores políticos, os bombardeios com armas químicas
e biológicas (napalm, por exemplo) da região do Araguaia-Tocantins, os
negócios sujos nos bastidores, as falências fraudulentas, o
favorecimento de negociatas, etc., que foram acobertados pelos nossos
jornalões enquanto as emissoras de televisão reproduziam comunicados
oficiais do governo militar com o objetivo de manter a população
brasileira entorpecida e anestesiada e impedir que questionasse a
natureza de um regime contrário às aspirações da nação.
A
saúde e a educação passaram a ser sucateadas com a instalação dos
famigerados inquéritos policiais-militares e a cassação de brilhantes
intelectuais, que naturalmente foram muito bem recebidos em outros
países – onde ocuparam posições de destaque e chegaram a receber altas
condecorações – enquanto a entrega do ensino público secundário à
iniciativa privada o transformou em um negócio de alta rentabilidade.
Por
sua vez, a saúde pública também foi privatizada depois de levantada uma
falsa bandeira sobre erros médicos em quase todos os meios de
comunicação do Brasil, o que também a transformou num balcão de negócios
com altíssima lucro e gerou uma enorme acumulação de capital que
permitiu aos proprietários destes empreendimentos constituir uma sólida
bancada no Congresso Nacional capaz de agir como um rolo compressor de
pressão em condições de obter ainda maiores favores e vantagens.
Sobre isto, assim como sobre as circunstâncias em que se deu o nosso
escandaloso endividamento externo, a nossa gloriosa imprensa falada,
escrita e televisada nada informou.
Subitamente, estes mesmos barões que controlam há mais de 100 anos o
cartel dos meios de comunicação no Brasil se transformam em paladinos da
moral e dos bons costumes e passam a denunciar mensalões – somente os do
adversário, por certo – e usam como fonte de informação exatamente os
mesmos delinquentes que praticaram os atos ilícitos.
Na
verdade, não há o menor resquício de moralidade em nenhum desses lados.
No entanto, chama a atenção que a velha direita – que ao longo de toda a
nossa história vem subjugando o nosso povo e que para exercer este poder
pratica todo o tipo de iniquidades – lance mão da bandeira da
anticorrupção, quando efetivamente foi quem mais praticou esse delito.
Tudo
isto é feito para se apoderar de um país que vem procurando reduzir as
suas dramáticas diferenças entre ricos e pobres e que – constituindo-se
hoje no segundo maior mercado emergente do planeta – pode se transformar
num rico troféu para especuladores, piratas e bucaneiros do capitalismo
neoliberal como o notório Armínio Fraga, apontado como futuro ministro
do governo de Aécio Neves.
Da
mesma forma, deve atrair o apetite dos abutres neoliberais o Banco do
Brasil, considerado uma das mais sólidas instituições bancárias atuais,
assim como as imensas reservas das camadas submarinas do pré-sal e a
aliança brasileira com o grupo do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul), que deverá ser descartada porque não interessa aos
Estados Unidos.
Um
relatório publicado há algum tempo pela Confederação Nacional da
Indústria informava que um pouco antes do golpe militar de 64 – nas
décadas de 50 e 60 do século passado – a produtividade de um trabalhador
no estado de São Paulo, em que havia uma grande incidência de mão de
obra nordestina, era maior do que a de um norte-americano.
Poucos ainda se lembram, mas não será difícil comprovar, que no momento
da derrubada de Goulart em 64 uma missão chinesa de mais ou menos 20
membros se encontrava no Brasil para ultimar os detalhes de uma
assistência técnica que o nosso país iria prestar à China.
E o
que foi que aconteceu então? Além dos membros da comissão – em geral
técnicos de produção e economistas – terem amargado uma longa cadeia sob
a acusação de serem perigosos agentes da subversão comunista, o Brasil
cancelou a cooperação mas isto não parece ter afetado de forma alguma o
país asiático, que hoje ostenta a condição de segunda economia do mundo
e caminha rapidamente para se tornar a primeira, enquanto o nosso país
somente agora tenta se recompor de todos os longos anos de repressão,
arrocho e subserviência aos Estados Unidos e à Europa.
É
claro que o projeto de um país soberano e independente não interessa às
nossas atrasadas elites desde que elas possam ter o seu quinhão de
lucro, uma vez que o papai grande lá de fora lhes garanta.
Agora, cinquenta anos depois daquele fatídico golpe que arruinou o nosso
país, os mesmos abutres e seus filhotes estão se reagrupando para tomar
a chave do cofre e executar a pilhagem do tesouro acumulado. Será que
conseguirão?
Neste momento em que os sinais de fragilidade dos governos Lula e Dilma
se mostram cada vez mais evidentes e há até o risco de uma ruptura
institucional entre os três poderes, seria conveniente lembrar que os
incipientes sinais desta fraqueza começaram ainda nos primeiros dias do
mandato de Luís Inácio da Silva – ou até mesmo antes da posse, em
Washington, quando sob pressão dos americanos indicou Henrique Meirelles
para o Banco Central e Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente –
e com o foro privilegiado concedido a seu antecessor Fernando Henrique
Cardoso.
Naquele momento, saboreando o gosto da vitória, Lula deve ter se
esquecido de que não basta vencer o adversário nas urnas, é preciso
mostrar porque o derrotou e desacreditar as suas propostas para evitar
que tenha a possibilidade de se fortalecer novamente. Um importante
jornalista lembrava então que o presidente recém-eleito deveria levar em
consideração os conselhos de Lampião, mestre da caatinga e o Rei do
Cangaço, que advertia com sabedoria:
–
Quem perdoa o inimigo na mão lhe cai!
Muitos políticos tendem a se deixar inebriar pela vitória e esquecer que
a luta continua...
A
recusa ou incapacidade do Partido dos Trabalhadores em realizar um
debate político e ideológico sobre a luta de classes no seio do
capitalismo em que seriam discutidas de forma clara as mudanças que a
população brasileira escolheu em 2002, combinada a um projeto difuso em
que se concedia alguns benefícios aos menos favorecidos enquanto se
fortalecia os mais ricos, além dos endêmicos atos de corrupção que há
séculos vêm praguejando os governos, levaram ao momento dramático que
vivemos hoje em que é preciso lutar para que uma catástrofe ainda maior,
vinda do governo de Fernando Henrique Cardoso e de seus sequazes, não se
abata sobre nós.
O
povo brasileiro está sendo chamado hoje a escolher o seu futuro e a
decidir entre dois modelos neoliberais – um claramente ortodoxo, com
privatizações, arrocho salarial e total desregulamentação da economia,
que está fracassando em toda a parte – e o outro, que apresenta uma face
mais humana e que, ao contrário, do seu opositor, progride em todo o
mundo nos países em que é implantado, como é o caso da América Latina em
que, pela primeira vez em muitas décadas, vivemos o chamado ciclo
virtuoso de crescimento, com pouco desemprego, aumento do consumo e
melhor distribuição de renda.
Não
é por outra razão que a escória do nosso país volta a se reagrupar e
para isto se serve dos meios de comunicação para aterrorizar a população
com a iminência de apagões que nunca se concretizam, acusações que não
se comprovam, na esperança de que os brasileiros voltem a confiar em
quem nos humilhou perante os estrangeiros e entregou as principais
riquezas de nosso país.
Não
surpreende também que o candidato de 2014 exiba essa face do ébrio
dependente químico, pretenso herdeiro de uma híbrida dinastia política e
do velho patrimonialismo mineiro apresentando-se como o gestor que
jamais existiu, uma vez que o estado de Minas Gerais foi efetivamente
administrado pelo vice-governador enquanto Aecinho se esbaldava em
baladas, quando não esbofeteava a namorada em Ipanema, no Rio de
Janeiro.
Para
as nossas elites sem moral ou escrúpulos, este retrospecto pouco importa
já que o que efetivamente conta é o valor do botim, as imensas riquezas
do Brasil e o sangue e o suor – a preços bem baratos – do povo da nossa
terra.
Sérvulo Siqueira |