12 de abril de 2016
1954/ 1964/ 2016: uma trama que se repete
Ó Justiça! Foste morar com os animais selvagens,
pois os homens perderam o raciocínio!
William Shakespeare.
Júlio César
Em um cenário de intensa manipulação, em que o real se
confunde com o imaginário, quem vive no Brasil nos dias de
hoje pode se considerar um protagonista de uma trama cujo
enredo não foi concebido por aqui.
Quem urdiu essa história conhece certamente nossas
características, qualidades e defeitos, mas é difícil
acreditar que sejamos tão autodestrutivos que queiramos
voluntariamente abandonar uma incipiente democracia
representativa relativamente estável por um governo
autoritário de tendência fascista que reprime a população,
reduz seus direitos sociais e entrega as riquezas do país
aos estrangeiros.
No entanto, esta é uma perspectiva que parece cada vez mais
próxima e que poderá se concretizar no Brasil dentro de uma
semana.
Para que a situação tenha chegado a este ponto, foi preciso
que uma emissora de televisão em decadência, mas ainda
dotada de algum poder, incorporasse ao seu noticiário atos
bombásticos da investigação realizada por um juiz ambicioso
e com tendências autoritárias de Curitiba e, unida a uma
oposição que se recusava a aceitar o resultado das últimas
eleições presidenciais, produzisse um verdadeiro
tsunami que
paralisou quase toda a atividade econômica da nação e
mergulhou o país num abismo permeado por atos da mais
completa intolerância étnica e ideológica.
Embora se apresentasse inicialmente como uma campanha
moralizadora dos costumes políticos e administrativos, este
terremoto artificial visava fundamentalmente o
enfraquecimento do governo recém-eleito de Dilma Rousseff e
tem como objetivo tornar possível que grupos estrangeiros se
beneficiem economicamente da sua fragilização.
Uma vez que a tática do
mensalão, ardil
acusatório que levou à condenação de vários réus sem nenhuma
prova, não conseguiu impedir a reeleição de Luís Inácio Lula
da Silva e a posterior eleição e reeleição de Dilma Rousseff
‒ apesar da ampla cobertura que recebeu dos meios de
comunicação ‒ fez-se necessário produzir um espetáculo ainda
mais grandioso e imponente que atingisse desta vez o próprio
sistema produtivo, ou seja, o coração da maior empresa do
país. Criou-se então um circo pontificado por ações
espetaculares com prisões de grandes empresários e apreensão
de informações sigilosas, delações premiadas e sessões de
interrogatórios, antecipadamente comunicadas à Rede Globo de
Televisão que as cobria com grande estardalhaço.
Em pouco tempo, muitos brasileiros já se sentiam na condição
de juízes e executores de uma sentença que condenava
inapelavelmente muitos membros do partido do governo e em
especial o ex-presidente Lula, considerando-os responsáveis
pela recessão em que o país começava a mergulhar e cujas
causas, na verdade, decorriam muito mais da crise financeira
internacional, da queda no preço das matérias primas e da
paralisação da vida econômica do país provocada pelas
investigações da Lava
Jato, realizadas sob o comando de um juiz treinado por
especialistas norte-americanos na apuração de crimes
financeiros.
À medida que caía a popularidade da presidente eleita, em
razão também de muitas iniciativas impopulares que adotou,
crescia o fragor midiático oferecido pela televisão e os
jornalões da imprensa corporativa ‒ dominada no Brasil por
um fechado grupo de seis famílias ‒ que passou a exibir ao
longo de sua programação um
show diário que
comprazia a grande maioria da população, nas suas mais
variadas camadas, em sua ânsia por justiça como compensação
às dificuldades que suportava.
Como se não bastassem as centenas de prisões, muitas delas
sem nenhuma culpa formada, as acusações ao principal partido
de sustentação do governo e as humilhações dos seus
principais líderes buscou-se um objetivo maior e ele não
poderia deixar de ser o impedimento da presidente Dilma do
exercício do cargo e a prisão de Luís Inácio Lula da Silva ‒
episódio este que culminou na tentativa de um sequestro
frustrado, segundo informações, por uma ação militar ‒ como
forma de abrir caminho para os derrotados na mais recente
eleição presidencial em seu rumo ao poder.
No entanto, nem tudo saiu como o
script previa já
que os incriminados pelos
torquemadas de
Curitiba, em seu afã de se defender, foram obrigados a
envolver muitos dos políticos responsáveis pelo próprio
processo inquisitorial, que foram então desmascarados como
receptadores de propinas ilegais.
Mesmo criando uma cortina de silêncio em torno dos
vazamentos das informações que ‒ para cumprirem seus
propósitos ‒ deveriam permanecer sigilosas, os meios de
comunicação não conseguiram evitar que
Aecim Neves, Zé
Serra, Geraldo
Aidimim, Fernando Henrique Cardoso, Roberto Freire e
muitos outros partidários do antigo regime neoliberal
derrotados pelo voto popular fossem apontados e expostos à
execração pública.
Como o feitiço começou a se voltar contra o feiticeiro e a
operação Lava Jato
passou a abarcar um grande número de políticos interessados
na derrubada por qualquer via e na sucessão da atual
presidente, tornou-se necessário acelerar o processo de seu
impeachment e
precipitar o mais rapidamente possível a sua remoção, o que
deixava claro que a operação judicial não visava a
moralidade mas se constituía na verdade em apenas um
pretexto para objetivos políticos.
No seio da trama do golpe que vinha se urdindo, as hostes
comandadas pelo vice-presidente da República e o notório
gansgster
político Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados,
precipitaram o desfecho propondo um governo de “salvação
nacional” sob o comando de Michel Temer e apresentaram um
programa de arrocho salarial, retirada dos benefícios
sociais, ajuste fiscal e entrega das riquezas do país.
O episódio final desse processo deve ocorrer durante esta
semana e seu desfecho se dará provavelmente no próximo
domingo, dia 17 de abril, com transmissão ao vivo por todas
as emissoras de televisão, a TV Globo à frente.
Caso se dê a derrubada de Dilma sem nenhuma culpabilidade
comprovada ‒ como ficou evidente diante do relatório exarado
por um deputado de moralidade duvidosa ‒ isto representará a
consumação da sociedade do espetáculo imaginada por Guy
Debord com a concretização aqui no Brasil de um cenário de
controle total da sociedade, tal como foi concebido por
George Orwell em
1984.
O acontecimento marcará também o apogeu do poder do Sistema
Globo de Comunicação, organização que recebe financiamento
norte-americano e que apoiou a derrubada de Getúlio Vargas
em 1954 e o golpe militar de 1964, beneficiou-se amplamente
de seus favores ‒ inclusive de um satélite doado pela
ditadura militar ‒ mas que vive nos dias de hoje uma
profunda crise financeira e de criatividade em sua
programação.
O ponto mais alto também prenuncia a decadência que vem a
seguir, já que o ápice é dificilmente mantido por um longo
tempo, e pode-se especular como um governo de Temer e Cunha,
apoiado por políticos corruptos com ampla rejeição pela
maioria da população, terá uma vida duradoura.
Imagina-se que um vácuo de poder irá se criar num breve
espaço de tempo, insuflado pela impopularidade dos pretensos
futuros governantes e pelas terríveis medidas que tomarão
contra conquistas já adquiridas pela população caso
implementem o seu programa
Ponte para o Futuro,
que muito já apelidaram de Ponte para o Abismo, tal o volume
de medidas recessivas que propõe.
Alguns acreditam que nas sombras do golpe move-se a figura
do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, tido como o
verdadeiro patrocinador da operação
Lava Jato e
protetor do juiz criptofascista, Sergio Moro.
Outros consideram que o alto comando da conspiração
encontra-se fora do Brasil ‒ como não poderia deixar de ser
nas terras do Tio Sam ‒ nas mãos dos irmãos Koch e do
patrono das revoluções coloridas, o magnata especulador e
patrono da candidatura de Marina Silva, George Soros.
Aqui no Bananão
um número crescente de brasileiros está cada mais atônito
com agressões às pessoas vestindo roupas vermelhas, os atos
de contínua intolerância, o retorno dos cães de guerra do
passado e de antigos torturadores do regime militar de 1964
além da ascensão de figuras da extrema-direita ao primeiro
plano da política, e temem que se repita aqui o que ocorre
atualmente na Ucrânia com o surgimento de milícias
nazifascistas, assassinatos políticos nunca esclarecidos e
uma profunda recessão que leve o Brasil à condição de
verdadeira colônia dos Estados Unidos.
No próximo domingo, saberemos se o Brasil é realmente
uma nação ou apenas uma república de banana.
Sérvulo Siqueira |