10 de maio de 2016
O que temos de pior chega ao poder
Os historiadores do futuro terão farto material com que se
ocupar quando olharem para o Brasil nos dias de hoje.
Na maior nação do hemisfério sul, a grande maioria de sua
população de mais de 200 milhões de pessoas − entorpecida
por um conglomerado de empresas de comunicação – assiste de
forma quase impassível um governo legítimo, que ousou se
valer de políticas de Estado para aliviar a miséria e a
pobreza de amplos setores da população, ser derrubado por um
parlamento composto em sua maior parte de políticos sob
investigação judicial por ordem de uma oligarquia
escravocrata e de interesses espúrios estrangeiros.
Isto ocorre em um país onde o exercício de uma sociedade
democrática burguesa – com o pleno funcionamento dos
poderes, os direitos dos cidadãos à saúde, educação, moradia
e transporte, as garantias às minorias, a livre expressão
das opiniões – jamais ocorreu de fato.
O longo período que durou a escravidão que – como sabemos –
não se encerrou com a abolição do tráfico e da Lei Áurea, a
nossa tradição de conciliação e reforma apontada por José
Honório Rodrigues em que as elites dominantes absorviam
algumas demandas da população mais pobre e as implementavam
a seu modo, a ausência de uma verdadeira reforma agrária que
concentrou terra na mão de alguns poucos e levou à
superpopulação das cidades − gerando uma vasta periferia
ocupada por favelas e um exército de desempregados −
produziram uma das mais iníquas distribuições de renda na
face da terra.
Intoxicada por sofisticadas técnicas de controle da mente
empregadas pela mídia e repercutidas por setores religiosos
fundamentalistas evangélicos, parte desta população foi
levada a crer que estamos vivendo um confronto maniqueísta
do bem contra o mal em que finalmente − alardeiam os
pregadores − a nação começa a fazer justiça contra uma
corrupção que vem se arrastando por séculos.
Nada disso é verdade, sabemos, mas neste momento da nossa
história os fatos parecem se desenrolar em grande velocidade
e a cada dia sucedem dados novos que vão ser superados na
jornada seguinte por outros acontecimentos.
Alguns dias atrás, tomamos conhecimento de que o presidente
da Câmara de Deputados – após de ter feito o serviço sujo de
entregar Dilma à sanha se seus opositores no Senado para ser
esquartejada – havia sido afastado e que o futuro Presidente
da República foi declarado
ficha suja e
considerado inelegível para o futuro embora possa exercer,
sem nenhuma credibilidade, o mais alto posto da nação.
Ontem fomos informados que Waldir Maranhão, vice-presidente
em exercício da Câmara dos Deputados, anulou as sessões dos
últimos dias 15, 16 e 17 de abril que acolheram a denúncia
contra Dilma. Poucas horas depois, ficamos sabendo que o
Presidente do Senado não reconheceu a decisão do
vice-presidente da Câmara e decidiu continuar o processo.
Já, na madrugada de hoje, tomamos conhecimento que o mesmo
Maranhão havia revisto a decisão anterior e anulado a sua
própria anulação.
Amanhã talvez venhamos a saber que, depois de ser
destituída, Dilma corre o risco de amargar um tempo na
prisão, certamente ao lado de seu padrinho, Lula. É possível
que num futuro breve talvez saibamos que o próximo
presidente poderá ter o mesmo destino de sua antecessora,
após ser delatado por seu antigo aliado Eduardo Cunha.
Todos esses acontecimentos – na sua maior parte planejados
há algum tempo – tendem a levar o Brasil a uma situação que
interessa àqueles que querem tirar o maior proveito de sua
de fragilidade, transformando-o em um
estado falido
onde as suas principais instituições não conseguem dialogar
entre si.
E quem são, afinal,
os prováveis vencedores deste sórdido processo, aqueles a
quem será dada a chave do cofre?
Conta-se que quando começaram as primeiras acusações contra
Spiro T. Agnew, vice-presidente eleito na chapa de Richard
Nixon, o presidente norte-americano – um político ardiloso –
começou a pensar em um nome para substituí-lo. Concordou com
o nome de Gerald Ford sob o argumento de que, após ter
permanecido no Congresso americano por mais de 25 anos,
jamais havia apresentado sequer um projeto de lei. Com seu
peculiar estilo truculento, Nixon teria comentado que a
comparação de seu governo com uma administração onde
prevaleceria a inoperância de Jerry Ford faria muito bem à
sua imagem futura.
─ Vocês ainda vão se lembrar bem de mim,
acrescentou.
E, de fato, Richard Milhous Nixon – um
crook político
que começou a sua carreira no infame Comitê de Atividades
Antiamericanas do Senador Joseph McCarthy – ainda hoje é
lembrado, a despeito de todas as iniquidades que praticou,
por ações como o reatamento de relações com a China e o
acordo de paz no Vietnã.
Conhece-se também o diálogo – supostamente ocorrido na Casa
Branca – em que um dos participantes da conversa teria
comentado:
─ O Presidente do Brasil é um FDP!
Ao que um outro presente observou:
─ É verdade, mas ele é o nosso FDP!
Com base nas estratégias de desestabilização, que têm sido a
marca do Tio Sam para a América Latina, desde as aventuras
de flibusteiros na América Central nas primeiras décadas do
século 20 até a deposição do presidente Jacobo Arbenz Guzman
na Guatemala em 1954, a invasão de Playa Girón, Cuba, em
1961, as derrubadas de João Goulart no Brasil em 1964 e de
Salvador Allende no Chile em 1973, o assassinato de Omar
Torrijos em 1981, entre incontáveis golpes de estado
aplicados em quase um século, é medida de sabedoria olhar
para a conduta do
Grande Irmão do Norte para tentar descobrir qual será –
em meio ao sindicato do crime que tomará o poder esta semana
– o FDP que escolherão.
Será mesmo o pretenso
quisling Temer ou os gringos terão escondido um outro
quidam em seu
saco de maldades?
Tal situação não é certamente nova em nossa história e
ocorreu sempre em momentos de uma violenta quebra da ordem
institucional, que levou no passado aos golpes de 1954 e
1965. Nestes instantes, foi sempre o nosso vizinho mais
poderoso e ambicioso – os Estados Unidos da América – quem
tirou o maior proveito da situação.
E, em meio ao silêncio do governo em Washington, o que é que
pensa a atual chefe da diplomacia americana no Brasil?
Liliana Ayalde, embaixadora no Paraguai de 2008 a 2011 aqui
chegou de forma discreta depois de ter contribuído para a
deposição de Fernando Lugo da Presidência da República, em
2012, executada por meio de um golpe parlamentar, em
condições semelhantes às que estão ocorrendo com Dilma no
momento atual. A ela pertence a seguinte frase, que dá uma
ideia da sua linha de conduta nos países em que atua:
− O controle político da Suprema Corte é crucial para
garantir impunidade dos crimes cometidos por políticos
hábeis. Ter amigos na Suprema Corte é ouro puro.
Na corrida contra o tempo para consumar o golpe o mais
rápido possível, a camarilha de políticos da oposição
derrotados na última eleição presidencial que se vale de um
expediente jurídico para chegar ao poder precisa contar com
a benevolência da Suprema Corte “para garantir a impunidade
dos crimes cometidos por políticos hábeis”, principalmente
agora que os aliados de Dilma devem apresentar um recurso
contra as inúmeras irregularidades do processo.
Como quase todos estão sob investigação judicial, temem que
a violência persecutória que desataram possa se voltar
contra eles mesmos e suspeitam que não apenas as revoluções
devorem seus comandantes mas até os mais sórdidos golpes.
Dilma deixa o poder sob muitas críticas por má gestão e
com apreciação popular muito baixa. Mas não será
surpresa – dado o que se prenuncia o novo governo −
se o decorrer do tempo a fizer melhor do que realmente
foi.
Sérvulo Siqueira
|