10 de agosto de 2018
Jornalismo alternativo, o rato Danilo e outros roedores
no gulag
mineiro
Em
janeiro de 2014, a redação do
NovoJornal, órgão
de informação publicado na Internet, foi empastelada e todo
o equipamento utilizado para a sua edição apreendido pela
Polícia mineira. Ao chegar para o trabalho às seis horas da
manhã, seu editor, o jornalista e publicitário Marco Aurélio
Flores Carone, foi preso no mesmo local por um delegado, um
promotor de justiça e oficiais da Polícia Militar de Minas
Gerais.
Apenas duas horas depois, o jornalista Geraldo Elísio
recebia a visita de uma unidade da Polícia Civil comandada
por um jovem delegado e parte do seu equipamento de trabalho
– um netbook,
pen-drives, HD externo, agendas telefônicas, etc. – também era
apreendida.
Decidido a contar os motivos de estavam por trás dessas
ações truculentas, Geraldo Elísio
– que por seis anos havia
trabalhado no jornal
– escreveu o livro
Diálogo com Ratos: Censura e Perseguição no Jornalismo Digital, que
acaba de ser publicado pela Editora Letramento.
Protagonista da história, o rato Danilo se tornou durante
algum tempo o único companheiro de Marco Aurélio Carone na
cela solitária que este ocupou num presídio de segurança
máxima durante os nove meses em que o editor do jornal
censurado aí permaneceu confinado.
Os
outros ratos da história são – num sentido metafórico –
notórios personagens da política mineira que vão desde
Antonio Anastasia, governador do Estado naquele momento, até
o ex-candidato presidencial Aécio Neves e sua irmã Andrea
que por 12 longos anos criaram um
gulag* de censura à livre informação permeado por brutalidades
policiais, apropriação indébita de dinheiro público,
contrabando de metais preciosos e queima de arquivos,
compreendendo inclusive o assassinato de antigos
colaboradores que ao longo do tempo se tornaram
inconvenientes.
O
elemento central da narrativa, no entanto, é a breve
trajetória do NovoJornal, que teve a audácia de se contrapor ao silêncio da
imprensa corporativa ao apontar os crimes praticados pelos
governos de Aécio Neves e Antonio Anastasia contra os
interesses do povo mineiro e o patrimônio público do Estado
de Minas Gerais.
Seguindo o fio da sua própria memória e adotando uma
narrativa entrecortada que não segue uma clara linha
cronológica, o jornalista conta como o site do jornal
digital saltou em pouco tempo dos 500 a 800 acessos diários
para 800 mil visitas, até atingir a cifra de um milhão e
oitocentos mil visitantes em um só dia. Sustentando esta
frequência tão alta, eram publicadas matérias com inúmeras
denúncias de uso inadequado do dinheiro público que vinham
corroboradas por documentos publicados no formato PDF (Formato
Portátil de Documento, em tradução livre), que não
permite ser alterado depois de postado.
Durante vários anos, o
NovoJornal divulgou então informações sobre o mensalão
tucano mineiro – que a justiça insiste em ocultar e que
Geraldo Elísio considera ser muito maior do que o petista –
assim como o contrabando internacional de nióbio, as
ligações com o tráfico internacional de drogas, o aeroporto
de Cláudio, as obras na Cidade Administrativa e com isto
chegou a alcançar um público leitor muito mais elevado do
que todos os grandes jornalões da imprensa corporativa do
país.
Como
a veracidade das suas informações e o peso de sua frequência
iam crescendo de forma incontrolável, tornou-se necessário
arquitetar um meio de interromper este processo. Pouco tempo
depois, a despeito dos quase dois milhões de visitantes a
publicidade veiculada pelo Google começou a cair e, em
seguida, surgiram as primeiras acusações de que as provas,
apresentadas com o objetivo de fundamentar as denúncias,
eram falsas.
Não
faltaram também as várias formas de espionagem eletrônica,
que se estendiam igualmente ao prédio da própria
Procuradoria de Justiça de Minas Gerais, submetido a escutas
telefônicas durante um ano e que produziram relatórios
reservados com objetivo político e comercial, armazenados em
quase 50 CDs segundo apurou o próprio
NovoJornal.
Geraldo Elísio conta como – ao utilizar o celular de Marco
Aurélio Carone – sua conversa com o delegado Protógenes
Queiroz, então deputado federal, foi ilegalmente gravada por
um araponga cujo propósito era espionar o aparelho do editor
do NovoJornal. A
gravação somente se tornou pública quando foi integrada a um
documento oficial e se constatou que o
grampo teria que
ser autorizado pelo Supremo Tribunal Federal.
Para
Geraldo Elísio, a prisão de Marco Aurélio foi executada para
se evitar que as próximas denúncias da lista de Furnas e de
outros negócios ilícitos viessem a comprometer a campanha do
senador Aécio Neves e a imagem de homem ilibado que sua irmã
Andrea queria projetar.
Até
que isto viesse a acontecer, o
NovoJornal já
havia mergulhado nos subterrâneos da política mineira por
onde transitavam os acordos por debaixo do pano, as tramoias
e os delitos de seus personagens mais relevantes.
Acordos e tramoias como a estapafúrdia aliança política de
Aécio Neves e Fernando Pimentel visando conquistar o apoio
de parte do PSDB para Lula em 2006, que ficou conhecida como
Lulécio. Ou o
conchavo entre Dilma e Anastasia em 2010, chamado por uns de
Dilmacia e
corrigido por Dilma em uma entrevista para
Anastadilma, como reporta o livro, em sua página 97, ao reproduzir
um trecho da entrevista concedida pela ex-presidente ao
jornal O Globo:
─ Espero que a gente aqui em Minas tenha a melhor relação
possível. A gente não escolhe a forma pela qual o povo monta
as alianças. É possível que ocorra. Como houve o Lulécio, é
possível que ocorra a Dilmasia. Eu acho até melhor a
inversão, né? Dilmasia é meio esquisito. Anastadilma,
qualquer coisa assim.
Em
contrapartida ao
Dilmasia ou Anastadilma, o PT se comprometeu em 2008 a apoiar o jurássico
administrador público Marcio Lacerda − candidato de Aécio −
que como prefeito de Belo Horizonte se notabilizou em dois
mandatos por privatizar ruas e outros logradouros e transfigurar
de tal forma a cidade que hoje ela não guarda mais nenhuma
relação com o seu projeto original.
Essa
“santa aliança” veio a se romper em 2014, quando Dilma e
Aécio disputaram a Presidência da República e a ruptura
se acentuou ainda mais no momento em que Anastasia – na
condição de relator do processo de
impeachment no
Senado – propôs a saída da President(a).
Enquanto prosseguiam as obras da Cidade Administrativa,
edificada em terreno que pertenceu ao Jóquei Clube de Minas
Gerais e que estava em poder de um grupo de acionistas do
clube do qual fazia parte o próprio governador Antonio
Anastasia, surgiu um fato que iria desencadear um verdadeiro
terremoto político no país: a apreensão – em novembro de
2013 – de 450 kg de pasta-base de cocaína e 16 mil reais em
dinheiro a bordo de um helicóptero da Limeira Agropecuária,
empresa do então deputado estadual Gustavo Perrella, filho
do senador e ex-presidente do Cruzeiro Zezé Perrella.
O
helicóptero realizava sua terceira viagem em uma mesma rota
que compreendia um trajeto entre o Paraguai e o Brasil, o
que configurava um tráfico internacional. No entanto, chama
atenção o fato de que – passados quase cinco anos – ainda
não se saiba a que associação criminosa, a que cartel
pertence a droga apreendida. Segundo Geraldo Elísio, é
opinião entre setores policiais – que não desejam ter seus
nomes revelados – que a pasta-base de cocaína seria de
gente próxima a Aécio Neves. Outros setores policiais consideram,
segundo o jornalista, que as muitas irregularidades
cometidas durante a investigação impossibilitam uma
conclusão acertada e levantam muitas perguntas ainda não
respondidas.
Embora tenha havido uma forte pressão para o sepultamento do
caso, a opinião pública não esqueceu o fato e a prova é que
durante o carnaval de 2014, a marchinha
Baile do Pó Royal
se tornou uma das músicas mais cantadas nos bailes e nas
ruas:
Deixaram o Pó Royal cair no chão/em pleno baile de
Carnaval/achei que ia rolar a confusão/mas a turma achou
legal.
A propalada mineiridade,
para alguns modo de
ser dos habitantes daquelas terras encravadas entre as
montanhas,
para outros funda cicatriz que não desaparece com
o tempo, tem sido objeto de reflexão de poetas e
romancistas como Drummond e Guimarães Rosa, entre muitos
autores.
Na
inspirada música mineira, letristas como Fernando Brant, em
Aqui Oh! de
Toninho Horta: Em
Minas Gerais/A alegria é guardada em cofres/catedrais, e
Márcio Borges em Memória das Minas:
Lá no Curral D'El
Rey/Quem falou morrer/Quis talvez pedir/Calma ou talvez
dizer/As estrelas dormem/As paixões valerão/Cantar quer
dizer que não/Ou traduzir silêncio/Violência igual de
montanha e animal, sobre música de Nivaldo Ornelas, mais
uma vez exprimiram esta perplexidade.
Não
se sabe com certeza o que aconteceu com o rato Danilo mas
diferentes roedores de outra espécie ainda fazem parte do
cenário político das Minas Gerais e tudo indica que alguns
dos personagens destas histórias estarão de volta ao
proscênio para pedir ao eleitor um voto de confiança no
próximo mês de outubro.
Seria bom não se deixar enganar.
Sérvulo Siqueira
*
Durante a era de poder de Josef Stalin na antiga União
Soviética, os desaparecimentos forçados de cidadãos, a
ocultação sistemática de provas, os crimes cometidos e não
apurados criaram uma atmosfera de terror provocada pelo
aparelho de estado. Qualquer semelhança com o que ocorreu no
Estado de Minas Gerais durante a vigência dos governos de
Aécio Neves e Antonio Anastasia – ainda que numa escala
muito menor − não é mera coincidência.
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