9 de julho de 2014
O futebol no Brasil: da arte à força
Assim no futuro irmão do passado,
eu me verei talvez como sou atualmente.
(Ulisses, James Joyce)
O mundo começa a entrar num período de grande recessão econômica. Na
área do Pacífico Norte, um conflito territorial entre a China, o Japão,
o Vietnã, as Filipinas e a Indonésia ameaça se converter numa perigosa
guerra regional. Na Ucrânia, Europa Oriental, uma junta que tomou o
poder, depois de um golpe orquestrado pelos Estados Unidos com a
participação de grupos neonazistas, hostiliza a Rússia e incita a
realização de manobras militares da Organização do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN). Após a derrubada de Khadafi, lutas tribais no norte da
África convulsionam toda a região. No Oriente Médio, milícias
financiadas pelos Estados Unidos, a Arábia Saudita e o Qatar assumem o
controle de refinarias e poços de petróleo, anunciam a criação de um
califado islâmico enquanto destroem mesquitas e monumentos a grandes
figuras do passado. De repente, a atenção de bilhões de telespectadores
em todo o mundo se concentra na Copa do Mundo de Futebol, um evento que
depois de 28 anos volta a ocorrer na América Latina.
Esporte mais popular em todo o mundo, o futebol desperta paixões,
alimenta mitos e gera negócios que movimentam muitos bilhões de dólares.
Como se sabe, a audiência de um jogo da Copa do Mundo só tem equivalente
na abertura dos Jogos Olímpicos. Em busca de publicidade e lucrativos
negócios, poderosos grupos econômicos de todos os espectros da atividade
econômica - indústria pesada, aparelhos eletrônicos, companhias aéreas,
cartões de crédito, equipamento esportivo, refrigerantes que não se deve
tomar, bebidas, cadeias de alimentação que não se deve frequentar,
planos de saúde, bancos, etc. ‒ patrocinam clubes esportivos,
competições e a Copa do Mundo, que reúne em sua fase final 32 seleções
nacionais.
Com a capacidade de público dos estádios ‒ agora chamados de Arenas ‒
drasticamente reduzida depois de obras suntuosas que custaram mais de 12
bilhões de reais, cercadas por acusações de corrupção, restou ao
apreciador do esporte assistir as partidas da 20ª Copa do Mundo,
realizada no Brasil entre junho e julho de 2014, por meio de um aparelho
de televisão.
Promotora do evento e detentora dos direitos exclusivos de captação das
imagens das partidas, coube à Federação Internacional de Futebol
Association (FIFA), uma entidade fundada em 1904 e com sede em Zurich,
na Suíça, oferecer aos bilhões de amantes do esporte em todo o mundo um
espetáculo recheado de emoção em que os sons e imagens das partidas são
manipulados para que se convertam em grande evento épico pontilhado por
jogadas espetaculares destacadas por efeitos em câmera lenta (slow
motion), cenas de torcedores com as mais bizarras fantasias e jogadores
‒ muitos deles tatuados nos braços e exibindo bizarros cortes de cabelo
‒ nas situações mais espontâneas, grotescas ou acrobáticas, criando uma
encenação que assume ao mesmo tempo o tom de ficção e realidade.
Enquanto muitos estudiosos do esporte argumentam que o futebol vem
mudando muito e se transforma pouco a pouco num espetáculo claramente
apoiado no uso da tecnologia, sabe-se também que à medida que decai o
talento nos campos aumenta o peso econômico dessa atividade esportiva e
os lucros que proporciona aos seus patrocinadores, o que certamente
agrada a entidade, uma Organização Não Governamental (ONG) que durante
os cerca de 30 dias do evento toma conta da vida do país-sede. É
inegável que, de todos os seus beneficiários, certamente o mais
bem-sucedido é a FIFA, a federação que organiza e regulamenta as
principais competições em todo o mundo.
Durante as partidas, os narradores das emissoras que pagaram uma fortuna
para o direito de retransmitir os jogos procuram acentuar ainda mais a
intensidade da disputa e ‒ como animadores de auditório ‒ empregam os
mais variados bordões, dando a um simples jogo de futebol a atmosfera
dramática de uma verdadeira batalha.
No atual mundo globalizado, das 32 equipes que participaram da
competição no Brasil 15 tiveram como orientadores técnicos cidadãos
nascidos fora do país e os times da Europa e dos Estados Unidos contaram
em seu elenco com um número muito grande de jogadores estrangeiros ou
com filhos de imigrantes do país.
Mais impressionante ainda é o fato de que aproximadamente 80% dos
jogadores atuam em clubes da Europa, principalmente em equipes da
Inglaterra, Espanha, Itália e Alemanha. Paradoxalmente, no entanto, as
seleções nacionais da Inglaterra, da Espanha e da Itália estiveram entre
as primeiras a ser eliminadas da competição, sendo obrigadas a deixar o
torneio logo após a fase classificatória.
No espaço de grama sintética do campo, as chamadas "quatro linhas" como
o denominavam os narradores de futebol do passado, as partidas dos oito
grupos ‒ com quatro equipes cada ‒ da fase classificatória, revelaram um
acentuado equilíbrio entre os competidores embora tenha havido algumas
surpresas.
Para países como o Brasil e a Argentina onde se pratica as mais belas
escolas do esporte, com gravíssimos problemas sociais decorrentes de uma
péssima distribuição de renda, corrupção, golpes militares,
subserviência a países coloniais como os Estados Unidos e a Inglaterra,
o futebol representa uma forma intensa de afirmação da nacionalidade e a
comprovação de que ‒ quando expressas de forma espontânea e ao mesmo
tempo organizada ‒ as nossas qualidades de habilidade e criatividade
podem aflorar de forma exuberante. No Brasil, desenvolvemos o hábito de
cultivar a veleidade de que somos muito bons tanto para produzir os seus
mais variados ritmos de música popular quanto para jogar o futebol, e é
difícil encontrar um grande compositor popular que não tenha se referido
a essa nossa paixão maior.
O futebol possui a capacidade de integrar um país fragmentado por tantas
disparidades e de produzir a sensação que vivemos em uma sociedade onde
os seus cidadãos se reconhecem entre si e se identificam como parte de
um todo orgânico. A prova pode ser facilmente verificada nas
comemorações dos gols e das vitórias, carregadas ‒ tanto entre os
jogadores quanto na própria torcida ‒ de manifestações ufanistas e de um
abstrato amor à pátria. Por outro lado, pode, no entanto, como ocorreu
entre Honduras e El Salvador em 1969, chegar a provocar um conflito
bélico entre os países.
Assim como no faroeste americano, os fatos e a lenda se confundem na
história do futebol brasileiro ‒ e as inúmeras versões sobre a
mitológica penalidade máxima cobrada por Friedenreich que matou o
goleiro, as maldições de algumas traves, a leiteria de Castilho, o gol
histórico de Pelé na Rua Javari, além das histórias envolvendo a figura
de Garrinha, entre outras, dão conta disso ‒ e conta-se até que os
técnicos do passado não precisavam mais do que entregar as camisas
correspondentes aos atletas e proferir algumas palavras de estímulo
antes da partida, tal era a qualidade dos jogadores. Muitos chegam a
dizer inclusive que o orientador técnico da seleção brasileira vitoriosa
na Copa do Mundo de 1958, Vicente Feola, confiante na capacidade dos
seus comandados, tirava uns "cochilos" durante as partidas.
Estão também longe os dias em que Johan Cruyff, o principal jogador da
seleção holandesa se deparava com seus companheiros Rep e Rensenbrink
tremendo antes de enfrentar os então tricampeões do mundo na Copa de
1974. Conta Cruyff que desde o início do jogo foi possível perceber a
fragilidade da equipe armada(?) por Zagalo. Com poucos minutos
decorridos, o grande cérebro da seleção da Holanda orientou Rep para que
entrasse pela direita, onde o lateral Marinho não marcava muito bem e
cruzasse para a entrada da área, onde ele estaria posicionado. E assim
foi feito. Após fazer o gol, Cruyff teria dito aos seus companheiros:
‒ Este time é galinha morta. Eles não são mais nem a sombra do que eram.
Conquanto tenhamos tido nos anos 80 Diego Armando Maradona, um talento
excepcional que levou a Argentina à conquista da Copa do Mundo de 1986 e
marcou contra a Inglaterra ‒ num jogo altamente dramático e que teve
inclusive o caráter de uma desforra política ‒ um dos gols mais
espetaculares de todos os tempos, há muito não aparecem no Brasil e no
Mundo jogadores tão esfuziantes quanto aqueles que o futebol apresentou
nos anos 50, 60 e 70. Sem atingir o mesmo brilho de Maradona, o mais
recente grande jogador produzido no futebol talvez tenha sido o
franco-argelino Zinedine Zidane.
Todos sabemos que desde 1970 a seleção canarinho brasileira não é mais
nem a sombra do que era. Os torneios de 1994 e 2002 conquistados por
nossa equipe com um futebol de qualidade bastante inferior às equipes do
passado mostraram que havíamos absorvido com certa competência o estilo
de futebol-força dos europeus mas já não dispúnhamos mais de jogadores
com a mesma qualidade dos verdadeiros astros do passado como Domingos da
Guia, Leônidas da Silva, Romeu, Perácio, Zizinho, Fausto, Heleno de
Freitas, Nilton e Djalma Santos, Zito e Didi, Gérson e Clodoaldo,
Tostão, Rivelino e Paulo César, sem falar nos excepcionais Garrincha e
Pelé.
Após o tricampeonato do México em 1970, que levou à conquista definitiva
da Copa Jules Rimet, começou a emergir entre a Comissão Técnica da então
Confederação Brasileira de Desportos (CBD) o sentimento de que os nossos
adversários só conseguiam impedir as nossas brilhantes atuações por meio
de faltas cada vez mais violentas. O principal mentor desta convicção
foi o orientador Zagalo, um notório apologista de um estilo de jogo
defensivo, que se serviu deste argumento para impor à seleção brasileira
um modo de jogar que não convinha ao nosso temperamento espontâneo e
criativo.
Desde esta época, todos os outros orientadores técnicos que o sucederam,
com a honrosa exceção de Telê Santana, se caracterizaram por uma postura
claramente retranqueira, que foi incorporada e desenvolvida ‒ com o
acréscimo de um comportamento igualmente faltoso e até mesmo violento
por parte dos jogadores brasileiros ‒ pelo atual técnico da nossa seção,
Luiz Felipe Scolari.
Vivendo sob um governo militar subserviente à dominação estrangeira, o
Brasil sofria então as consequências de uma gigantesca dívida externa,
altamente lesiva à nossa soberania, contraída em condições de extrema
corrupção e o futebol, que expressaria o que temos de melhor ‒ o nosso
"lado bom" ‒ não poderia deixar de ser afetado por esta sociedade
catastrófica. Pouco a pouco, à medida em que os nossos melhores artistas
da bola deixavam progressivamente o país ‒ a começar pelo nosso maior
astro, Pelé, ‒ passamos a depender cada vez mais dos esquemas defensivos
dos nossos técnicos, elaborados para tentar manter uma superioridade
técnica que já não podíamos comprovar efetivamente.
Enquanto os nossos jogadores iam se exibir em outras terras ‒
principalmente europeias ‒ nossos treinadores, em geral medíocres, aqui
ficavam engordados por ricos salários e para se manter se no cargo e
preservar os ganhos concebiam os mais fechados esquemas defensivos,
almejando ao menos empatar ou, se possível ganhar, mesmo que por apenas
um gol de diferença.
Com os nossos principais artistas da bola atuando em terras de além mar
e os treinadores sem imaginação e competência ficando por aqui custeados
por ricos salários, a situação não poderia deixar de ser outra: passamos
a viver então o natural empobrecimento da nossa capacidade de praticar
com arte e técnica o "tradicional esporte bretão", como o chamavam os
locutores de antigamente, ainda que a adoção de uma mentalidade
retranqueira possa ter levado à conquista de dois títulos mundiais, o
que não contribuiu em absoluto para uma evolução da nossa qualidade mas,
ao contrário, reforçou a mentalidade pragmática implantada.
A seleção que atuou na 20ª Copa do Mundo realizada no Brasil nada mais
foi do que a expressão desta nova face do nosso futebol, que corresponde
de certa forma a um retrato mais fiel do país ‒ uma nação desigual e
injusta para com o seu povo ‒ e se contrapõe às equipes do passado que
caracterizavam um lado muito mais bonito, verdadeiro mas não
necessariamente majoritário, da nossa terra. Se antes mostrávamos o que
tínhamos de melhor, hoje nos mostramos como realmente somos. Esta
desigualdade atingiu até mesmo a frequência aos estádios, onde o preço
elevado dos ingressos e os milhares de convites distribuídos pela FIFA a
privilegiados "enbranqueceu" a platéia, com os institutos de pesquisa
chegando a apontar jogos sem a presença de sequer um membro da raça
negra (ou afro-americana, se quiserem), por exemplo.
Com o estilo defensivista, chegou também ‒ de forma ainda mais acentuada
do que no passado ‒ o autoritarismo, que é outra marca da nossa
sociedade. Nos dias de hoje a preparação da seleção brasileira de
futebol, ao contrário de outros tempos, é minuciosamente planejada mas
isto não quer dizer que o seja da forma eficiente. Entram nela também os
interesses dos diversos patrocinadores, que contratam jogos exclusivos
de exibição para o lançamento de produtos com a participação das
principais estrelas, além das manobras políticas dos cartolas que se
servem dos nossos principais atletas para se manterem no poder. Por sua
vez, os nossos maiores astros são obrigados a participar de eventos
extra-esportivos, posar para fotos, etc.
Apoiada nesta estrutura altamente mercantilista, a equipe de jogadores
brasileiros convocados para a competição chegou à "Copa das Copas".
Contam os repórteres que cobrem as atividades da seleção brasileira que
após o desembarque nas cidades brasileiras onde se realizam os jogos, o
ônibus que conduz os jogadores ‒ com o emblema de um dos patrocinadores
‒ é acompanhado por um séquito que chega até a duas dezenas de viaturas
policiais, honra e segurança nem sempre tributadas a importantes chefes
de estado. Os moradores de Teresópolis, que em um razoável número viajam
diariamente ao Rio de Janeiro para trabalhar, já se acostumaram a
esperar por um longo tempo o trânsito da comitiva da seleção, uma vez
que uma das pistas é temporariamente interditada para a passagem do
cortejo.
Composta por jogadores de qualidade técnica apenas mediana, seu
treinador Luiz Felipe Scolari foi obrigado a apostar todas as fichas em
seu principal jogador, Neymar, que vinha de disputadas competições
européias após ter sido vendido ao Barcelona numa transação onde muitos
crêem houve desvio de dinheiro, e chegou à equipe em más condições
físicas.
Em 1982, ao desembarcar na Espanha para a Copa realizada nesse país o
técnico italiano Enzo Bearzot respondeu o seguinte, quando perguntado
sobre quem ganharia a competição:
‒ O Brasil, é claro. Com os jogadores que tem, o Brasil é o favorito de
todas as Copas.
Bearzot, um brilhante estrategista que derrotou o Brasil e levou o seu
país à vitória na final contra a Alemanha, sabia o que estava dizendo.
E foi assim que, confirmando a frase de Bearzot, o Brasil chegou à
vigésima edição da Copa do Mundo mais uma vez como um dos favoritos ‒
ostentando também a condição de ser a única seleção que esteve presente
em todos os outros torneios anteriores ‒, mas o atual favoritismo de
hoje não foi atribuído apenas à qualidade técnica dos seus jogadores.
Movimentando uma grande quantidade de dinheiro, é natural que o esporte
atraia hoje tantos participantes principalmente de países do Terceiro
Mundo, desejosos de escapar à uma condição de pobreza ‒ por meio de
vantajosos contratos oferecidos aos mais talentosos praticantes. Em
grande parte devido a essa mudança, a 20ª Copa do Mundo se caracterizou
por exibir um notável equilíbrio entre as seleções nacionais embora
tenha havido algumas surpresas.
A Grécia, o Irã e a Austrália demonstraram alguma habilidade com a bola,
com um atleta da Austrália, Cahill, se transformando no autor de um dos
mais belos gols da competição. Os países do Oriente, o Japão e a Coréia
do Sul, ‒ que já haviam alcançado um nível mais elevado em outros
torneios ‒ decepcionaram. As seleções da África, integradas por
jogadores que atuam nos principais clubes da Europa, fracassaram
rotundamente com a exceção da Argélia, que resistiu à Alemanha e somente
foi superada após a prorrogação de 30 minutos.
No entanto, as maiores surpresas ficaram por conta de três países da
América Latina: Chile, Colômbia e, principalmente, a Costa Rica. O Chile
ganhou da Espanha e chegou às oitavas de final, sendo eliminado nas
penalidades máximas pelo Brasil depois de um empate por um gol em 120
minutos de partida. A Colômbia teve uma impecável participação nas
eliminatórias, ganhou com categoria do Uruguai por 2x0 e somente foi
derrotada pelo Brasil, em um jogo muito equilibrado. Mas o fato
inesperado da 20ª Copa Mundo foi a participação da seleção da Costa
Rica, uma equipe muito organizada e com bons jogadores, que deixou a
competição sem perder um único jogo e foi eliminada nas quartas de final
na cobrança de pênaltis, após 120 minutos de uma partida contra a
Holanda em que foi claramente prejudicada pela falta de marcação de uma
penalidade máxima a seu favor.
Ao final de 60 partidas, algumas delas muito emocionantes e que somente
foram decididas nos minutos finais, quatro seleções ‒ duas da América
Latina e duas da Europa ‒ chegaram às semifinais. No dia 8 de julho,
realizou-se a primeira das duas semifinais, confrontando as equipes do
Brasil e da Alemanha.
E foi então que, subitamente, todas as ilusões caíram por terra. Diante
da esmagadora vitória por 7 gols a 1 da Alemanha contra o Brasil, os
torcedores da seleção que por cinco vezes se sagrou campeã mundial foram
colocados diante da realidade ‒ por demais evidente mas que se recusavam
a aceitar ‒ de que não eram mais os melhores praticantes de futebol em
todo o mundo como gostavam de pensar. Pior ainda, a situação havia se
invertido: aqueles que se consideravam discípulos na arte e técnica do
jogo pareciam ser agora, na verdade, os mestres.
Como um povo dominado e colonizado, adotamos como paradigma o modelo
europeu e, mais recentemente, o dos Estados Unidos, e sempre nos
consideramos melhores do que os nossos irmãos latino-americanos. Neste
sentido, as nossas elites econômicas, cada vez mais grosseiras e sem
cultura, sempre preferiram circular pela Europa e hoje o fazem por Nova
York, enquanto a classe média emergente vai gastar seus dólares em
Miami.
Mas se observarmos com atenção veremos no entanto que nem mesmo em
relação aos nossos vizinhos do subcontinente podemos ostentar qualquer
superioridade e, não apenas, quanto ao futebol. Já não fazemos um cinema
melhor do que os argentinos ou uma música mais rica do que os
colombianos e cubanos. Diversos países da América Latina apresentam um
nível de escolaridade e de produção intelectual muito mais elaborado que
o nosso, ao mesmo tempo em que outros registram uma acentuada melhora em
seu progresso social e na distribuição de renda.
O episódio da contusão de Neymar ‒ em que um número elevado de pessoas
chegou a pedir até a morte do atleta colombiano, considerado responsável
pela fratura de uma vértebra do jogador brasileiro ‒ apontou ainda uma
terrível chaga da sociedade que nos acostumamos a não ver: um acentuado
racismo que os partidos de direita usam de forma oportunista e
sub-reptícia para fomentar uma ainda maior divisão de classes.
Tomara que esse fatídico 8 de julho de 2014, tal como o também trágico
16 de julho de 1950, nos dê a conhecer alguma coisa sobre quem realmente
somos.
Sérvulo Siqueira
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