8 de abril de 2018
A esperança dos desesperançados
Com a prisão de Lula, fecha-se
mais um ciclo na história do Brasil: o de uma tentativa de caráter
social-democrata para resolver as enormes desigualdades econômicas e
sociais deste país. Inicia-se um novo período, com o retorno do modelo
autoritário – que prevaleceu durante a maior parte da existência do
nosso Bananão − desta vez sob
uma híbrida forma de fascismo: regido economicamente por tecnocratas que puxam os cordéis no
pano de fundo da cena e representado publicamente por um
títere qualquer: insípido, inodoro e incolor como o atual
Drácula de plantão.
Compondo ainda melhor este cenário
infausto, os meios de comunicação – qual uma prostituta sem nenhuma
respeitabilidade – proporcionam uma atmosfera de
vaudeville, em que não faltam
representações da mais baixa escatologia: assassinatos, consumo desbragado de
drogas e sexo quase explícito no meio da tarde para crianças impúberes.
Pairando sobre esta atmosfera, se postam os poderes constituídos: o Congresso
Nacional composto pelas bancadas da bala, da bola, do boi, dos
traficantes, dos latifundiários, dos donos de escolas e
hospitais, além de vários outros delinquentes de maior e menor porte.
Isto sem contar,
naturalmente, a Justiça de nosso país, sempre a serviço dos poderosos e
referendando o que já foi dito no passado:
− Aos amigos, favores. Aos inimigos, as penas da lei!
Contagiado pela euforia de quatro
vitórias consecutivas e provavelmente movido por um verdadeiro
sentimento cristão, Lula acreditou que poderia mudar este estado de
coisas. Mas se esqueceu talvez que – como na conhecida fábula do
escorpião e da rã – a natureza das nossas elites não poderia mudar. Como
não
lhe passou pela cabeça que, de um momento para o outro, os senhores da terra, os
banqueiros, os empresários parasitas, as forças armadas, a casta do
Judiciário e os barões dos meios de comunicação iriam deixar de fazer o
que fizeram durante cinco séculos?
Não foi esta oligarquia que
montou um sistema baseado na escravidão negra, no saque das riquezas do
país, na ditadura e na repressão das liberdades individuais, na
impunidade e no descumprimento da lei?
O episódio de hoje guarda algumas
semelhanças com o golpe militar de 1964, embora a divisão na sociedade
agora seja ainda maior do que a existente no século passado. Assim como
há 54 anos, o presidente que será proscrito decidiu não resistir e se
curvou à prepotência da força e do arbítrio.
Um jornalista comentou que Lula
ficou entre Getúlio Vargas e Jânio Quadros. Sugeriu que optou por agir
como um presidente de sindicato e fez um bom acordo com o patrão. Se
isto for verdade, então as elites escravocratas deste país sabiam com
quem estavam tratando e deram o golpe na hora certa. Tiraram todo o
proveito enquanto puderam e depois jogaram o ex-presidente no lixo
quando não precisavam mais.
Isto é algo que somente o futuro
poderá dizer.
Desesperada por viver num país
tão cruel, a população tem o hábito de atribuir a alguns de seus
representantes o papel de salvadores da pátria. Marcada pelo fatalismo e
o messianismo de nossa herança cultural, tende a esperar poderes
sobrenaturais daqueles a quem entregou a solução de suas esperanças.
Desgraçadamente, no entanto, pode-se dizer que apenas um – na verdade,
dois, Getúlio Vargas e Leonel Brizola, porém somente este último
sobreviveu a um dos golpes – assumiram o compromisso de lutar até o fim
pelos interesses populares.
Em 1954 e 1964, a União
Democrática Nacional (UDN) – um partido que, segundo reza a lenda, foi
fundado a partir de um discurso do embaixador norte-americano no Brasil
− após sofrer duas derrotas consecutivas para a presidência da
República urdiu sucessivos golpes de estado para derrubar um governo legitimamente
eleito. Fracassou em 1954, graças à interferência providencial do
general Lott em 1955 e foi novamente derrotada nas urnas por Juscelino
Kubitschek no mesmo ano mas conseguiu seu intento ao derrubar João
Goulart em 1964.
Na época, Jango se recusou a
defender seu mandato sob o argumento de que isto iria provocar um
derramamento de sangue e, em razão deste recuo, o país pagou um alto
preço ao amargar uma ditadura de 21 anos que o submeteu ainda mais ao
capital internacional. Naquele momento, somente Brizola esboçou uma reação mas terminou
sem o apoio necessário para prosseguir em seu projeto de reagir ao
golpe.
Na mesma linha, o Partido da
Social Democracia Brasileira (PSDB), uma organização que como a antiga
UDN nasceu sob um ideário liberal e mais tarde derivou para a direita,
após sofrer quatro derrotas presidenciais consecutivas tramou
juntamente com o imperialismo norte-americano a queda da presidente
Dilma Rousseff em 2016.
O Partido dos Trabalhadores
absorveu a herança trabalhista de Alberto Pasqualini, Vargas, Jango e Brizola
mas como seu antecessor não foi capaz de mudar as seculares
desigualdades sociais e econômicas da nossa população. Conformando-se a
cumprir sua injusta sentença, Lula agiu de forma coerente com sua
conduta política – aceitando as regras do jogo − e não pareceu
compreender que a resistência é o legítimo instrumento revolucionário
diante da violência e do arbítrio do Estado.
Ao aceitar se apresentar a seu
algoz o juiz Sérgio Moro ‒ um magistrado de primeira instância e militante
do PSDB, que foi treinado nos EUA e recebeu informações de órgãos de
espionagem norte-americanos, além de ter sido flagrado em intimidades
com um notório criminoso do mesmo partido, o atual senador e candidato
derrotado nas eleições presidenciais de 2004, Aécio Neves, ‒ Lula sabe
que talvez esteja caminhando em direção a um matadouro porque seus
carcereiros não irão garantir a segurança que necessita e que pode não
sair vivo da cadeia. Se, por uma infelicidade, tiver que cumprir toda a
pena, terá então pelo menos 84 anos de idade.
Muito provavelmente, seus algozes
não terão condição de mantê-lo confinado por tanto tempo. No entanto,
enquanto isto ocorrer, será necessária uma vigília constante no sentido
de ao
menos evitar que seus inimigos – entre os quais, já de imediato, se
coloca um conhecido cafetão da cidade de São Paulo que propôs abertamente seu
assassinato − desfrutem de suficiente liberdade para se aproximar de sua
pessoa e intentem algo violento.
A extrema direita do Brasil e
seus aliados de além-mar vivem hoje um momento de júbilo em sua história
porque conseguiram capturar o grande líder popular e favorito absoluto
para ganhar as próximas eleições presidenciais no Brasil. Embriagada por
esta aparente vitória, há uma clara possibilidade de que irão exibir por
algum tempo – de forma cada vez mais crescente – a monstruosidade de seu
caráter agressivo, a deformação da personalidade de seus componentes, o
primitivismo e o grotesco que tem sido a marca de seu comportamento
histórico. Quanto a nós, enquanto ainda desfrutarmos de uma liberdade que poderá ser cada vez mais restrita, é necessário que procuremos a todo custo não aceitar provocações e, uma vez que o fascismo se aproxima celeremente, torna-se necessário manter o espírito num patamar muito elevado até porque como afirmou Walter Benjamin – logo após a 1ª Guerra Mundial – e, mais tarde, lembrado por Herbert Marcuse nos anos 1960:
– Somente aos
desesperados é que foi dada a esperança.
Sérvulo Siqueira
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