6 de abril de 2018

 

Um dia no Bananão

A carta de Pero Vaz de Caminha; a permanência das capitanias hereditárias[1], as sesmarias[2]; a extração e pilhagem da madeira, do ouro e do diamante; o interminável processo de escravidão que já dura quase 500 anos, a exploração da cana de açúcar, da pecuária e da cafeicultura; o extermínio progressivo dos naturais da terra pelos capitães do mato, posseiros, empresas mineradoras e latifundiários; as guerras programadas contra nossos vizinhos a mando da Inglaterra; a matança sistemática dos membros do MST executada por capangas dos grandes proprietários de terra; a ganância e a usura dos banqueiros; a falta de ética profissional dos meios de comunicação que disseminam o ódio e mentira; as tramoias e os complôs urdidos pelo imperialismo norte-americano; o assassinato deliberado nos nossos líderes populares; a criminalidade e a violência nas favelas, hoje eufemisticamente batizadas de comunidades; o número crescente de mortes no trânsito; as instituições prisionais, verdadeiros açougues humanos onde nenhum criminoso pode ser recuperado; o extermínio progressivo dos jovens negros nas periferias que, sem qualquer outra opção, são empurrados à criminalidade; o espírito corporativo da casta da justiça, que somente defende o interesse dos poderosos; a impunidade generalizada; a imensa disparidade social e econômica entre ricos e pobres; a distribuição de renda que se situa entre as piores do planeta: todas estas monstruosidades de um país chamado Brasil mas que também poderia ser chamado de Bananão, acumuladas ao longo de mais de cinco séculos, estiveram simbolicamente presentes no julgamento do habeas corpus de um ex-presidente da república no último dia 4 de abril.

Sofismas, palavras pomposas porém vazias e destituídas de um verdadeiro significado, jargões batidos e incompreensíveis para a maioria das pessoas e estatísticas que não provavam nada não foram capazes de disfarçar a evidente mediocridade de quem as utilizava, supostos juízes que se apresentavam como verdadeiros “sepulcros caiados” – para usar a expressão bíblica – sem nenhuma vida  ou capacidade de discernimento em seu interior. 

Enquanto alguns deles estiveram à altura do momento histórico – certamente preocupados com o implacável julgamento da História – a maioria agiu de forma mesquinha e partidária, violando a Lei Magna do país que deveriam defender acima de tudo.

A presidente desta Corte, que deveria honrar a sua condição de órgão máximo da justiça da nação, gaguejava, claudicava verbalmente e titubeava no uso da palavra, revelando o temor que sentia por tomar uma decisão que por certo afrontará e envergonhará o país, talvez um medo semelhante ao que os verdugos da Inquisição sentiram quando condenaram o filósofo Giordano Bruno à fogueira.

Há mais de 400 anos, então no limiar do novo século XVII, Giordano Bruno percebeu o sentimento que tomava conta do espírito de seus algozes e apontou:

− Mais medo têm vocês!

Passado tanto tempo, o ex-presidente Luís Inácio da Silva, igualmente condenado sem provas, comentou ironicamente:

− Com esta decisão, o Supremo Tribunal Federal irá comigo para a cadeia.

Também hoje, os Fachin, os Fux, as Carmen Lúcia, os Morais, os Barrosos, as Rosa Weber também devem sentir medo porque têm consciência de que o voto que emitiram ainda ecoará por um longo tempo como ignominioso, vil, mesquinho e cruel.

Como coube aos franceses há mais de dois séculos, só resta ao cidadão brasileiro tomar a nossa Bastilha[3] e pôr fim a esta ordem putrefata de coisas.



[1] Sistema de doação de terras a interesses privados que persistiu por mais de três séculos no Brasil.

[2] Instituto jurídico português para regularizar a distribuição de terras que apesar de abolido em 1822 – ainda exerce grande influência sobre a estrutura fundiária do país.

[3] A Bastilha foi uma fortaleza construída no século XIV transformada em uma prisão e que abrigava os adversários do regime de Luís XVI. Sua tomada pela população e por soldados desmobilizados, em 14 de julho de 1789, precipitou o processo da Revolução Francesa, evento histórico em que pela primeira vez no Ocidente uma monarquia foi derrubada por uma insurreição popular.

 

Sérvulo Siqueira