5 de maio de 2016
A restauração fascista neoliberal
Hay golpes em la vida tan fuertes... Yo no sé! Golpes como el odio de Dios;
César Vallejo, Los Heraldos Negros
O golpe parlamentar- midiático-empresarial, que terá o seu
desfecho dentro de mais alguns dias, é o resultado de um
processo conspiratório que começou há algum tempo e que tem
por objetivo a restauração do modelo neoliberal que foi
implementado no Brasil por Fernando Henrique Cardoso. À
medida que se aproxima a derrubada de Dilma Rousseff, a
hidra golpista começa pouco a pouco a exibir os tentáculos,
revelando seus mais recônditos objetivos. A partir de meados
de maio, consumada a degola da presidente, mergulharemos
numa atmosfera cada vez mais repressiva onde um estado
policial irá progressivamente garantir a restauração da
velha ordem neoliberal, que foi amenizada nos últimos 13
anos pelos programas assistencialistas dos governos de Lula
e Dilma.
Este processo representará a continuação de um projeto que
teve o seu início pouco depois da posse de Lula, quando as
elites colonizadas do nosso
Bananão, sentindo
a possibilidade de que seus privilégios, mantidos há um
longo tempo, pudessem ser contestados pelas classes mais
baixas da população começaram a tramar a sua derrubada. Para
isso, contaram com a importante colaboração de Roberto
Jefferson, Joaquim Barbosa, Sergio Moro e Eduardo Cunha, que
em muitos casos desempenharam um papel de aparente
sacrifício pessoal abrindo caminho – por meio de denúncias
que se revelaram frequentemente mentirosas − para a
restauração da velha ordem.
Nada será como antes, no entanto, e os atuais gestores do
modelo neoliberal, hoje cambaleante em todo o mundo –
especialmente nos Estados Unidos, Europa e Japão – não podem
mais dar-se ao luxo de cometer os erros do passado, tais
como permitir que venha a se criar uma clara e organizada
contestação à doutrina do pensamento único que pretendem
implantar.
No Brasil, especificamente, onde a maioria da população
sempre foi excluída dos amplos benefícios que a riqueza do
país gerou somente para alguns poucos e que jamais conheceu
a verdadeira dimensão de uma sociedade democrática burguesa,
vimos que a simples instituição de uma
Comissão da Verdade
para apurar os crimes da ditadura de 1964-1985 foi capaz de
provocar uma verdadeira comoção na elite dominante e seus
verdugos.
Que a presidente eleita tenha lutado contra esse estado de
coisas e que seu padrinho político venha das camadas pobres
do país, deve ter afrontado ainda mais uma elite que há
muitos séculos desfruta de inigualáveis privilégios, o que
gerou um clima de ódio que vem se convertendo nas contínuas
manifestações de intolerância e racismo que têm ocorrido com
frequência no Brasil.
Maior insegurança devem ter sentido essas camadas
privilegiadas quando perceberam que talvez sejam obrigadas a
competir no futuro, no mercado de trabalho, com as novas
gerações que emergiram das classes menos favorecidas que
exploraram no passado e que hoje têm acesso à formação
universitária.
Tudo isso fica ainda mais claro quando vemos que os estados
que mais crescem no Brasil estão localizados na região
nordeste enquanto o outrora pujante São Paulo, a antiga
locomotiva do Brasil,
amarga uma decadência que se acentuou ainda mais com os
sucessivos e desastrosos governos do PSDB, partido que –
depois de ter ocupado o poder no Brasil por dois governos
seguidos – foi sucessivamente derrotado por Luís Inácio da
Silva e Dilma Rousseff em quatro eleições presidenciais.
Repete-se agora – e novamente com consequências trágicas
para o país – o que ocorreu em 1964, quando a UDN (União
Democrática Nacional), depois de derrotada em 1950 e 1955 –
após ter ensaiado um golpe com Café Filho – aliou-se à
burguesia brasileira, aos militares e aos Estados Unidos
para derrubar João Goulart.
Nos dias de hoje, o PSDB (Partido da Social Democracia
Brasileira), sucessor político e ideológico da velha UDN
alia-se ao PMDB (Partido do Movimento Democrático
Brasileiro), une-se ao que há de pior na nossa sociedade –
as bancadas corporativas da bala, da bíblia e do boi – e, na
ausência de argumentos suficientes, falsifica acusações para
justificar a deposição de uma presidente legitimamente
eleita.
Após o grotesco espetáculo protagonizado no último dia 17 de
abril quando um bando de quase quatro centenas de
parlamentares – muitos deles sob investigação da justiça −
estriparam politicamente uma presidente sobre quem não pesa
sequer uma única acusação de enriquecimento ilícito, muitas
fantasias legalistas com que os opositores do governo
pretenderam travestir o episódio já caíram por terra.
Nesse dia − uma data
que, parafraseando o ex-presidente norte-americano
Franklin Delano Roosevelt, “viverá na infâmia” em
nossa história − ao longo de um circo de horrores comandado
por um político ladrão e sociopata, 367 “representantes do
povo” sem desfilar seus motivos para a condenação de Dilma
Rousseff, repetiram o velho mote integralista – a nossa
variante tropical do fascismo italiano de Mussolini – do
Deus,
Pátria e
Família.
Quem, entretanto, acreditar que a manifestação desse espasmo
fascista é puramente acidental deve analisar com cuidado os
acontecimentos que vêm se repetindo quase diariamente no
nosso Bananão com
agressões a partidários do governo ou a pessoas vestindo
roupa vermelha, manifestações de defesa da tortura e das
intervenções militares, etc.
Nascido da traição e do golpe, o novo regime tentará de
imediato camuflar a sua verdadeira natureza, promovendo
medidas de cunho espetaculoso tais como uma verdadeira
devassa no governo de Dilma e apresentando algumas panaceias
à população, enquanto que por trás da cortina desse teatro
macabro , entregará as riquezas do país aos inimigos do povo
brasileiro em recompensa ao apoio recebido para o golpe.
No entanto, sua natureza não poderá ser ocultada por muito
tempo – na verdade, mais cedo do que se pensa – àqueles que
ainda não o conhecem. Iludem-se os que pensam que um
estelionato deste porte poderá durar como duraram os 21 anos
do governo militar de 1964-1985. Em pouco tempo, como canta
o rapper na música, “a senzala vai descer” e há a
possibilidade de que venha a ocorrer um ajuste de contas em
que os ladrões públicos, aqueles que já falam em reduzir os
programas sociais do governo, os que planejam entregar as
nossas riquezas do subsolo aos estrangeiros, os senhores da
usura instalados na banca, os donos do agronegócio que
destroem o campo e empesteiam o nosso alimento, os
especuladores e os proprietários das empresas de comunicação
que mentiram à população e deixaram de cumprir a sua função
de bem informar terão que empregar todo o poder de que
dispõem para conservar os seus privilégios.
Naturalmente, farão o que sempre fizeram, ou seja,
sentarão o pau na
macacada, empregarão toda a truculência que puderem,
criminalizarão toda e qualquer manifestação em defesa de
direitos ou de luta por justiça. Ninguém sabe quanto tempo
isto poderá durar mas se é certo que a vida dos brasileiros
não será fácil tampouco o será o exercício do poder por
estes usurpadores.
Esta é uma situação que comporta o risco de que o país – não
conseguindo equilibrar as demandas dos diferentes setores da
sua população – recorra à violência para solucioná-los. O
que agrava anda mais a situação é que os meios de
comunicação – em seu propósito de derrubar o governo –
estimularam o ódio entre as classes sociais e as raças que
compõem o nosso caldeirão étnico, sem levar em conta que
somos um país mestiço.
Por outro lado, quando se pensa nas medidas recessivas, de
arrocho dos direitos trabalhistas já adquiridos, que o novo
governo fantoche irá estabelecer por meio de projetos –
muitos deles já em curso na Câmara – de redução da idade
mínima de trabalho de 16 para 14 anos, prevalência da
negociação direta entre empregado e patrão sobre a lei,
afrouxamento do conceito de trabalho escravo, proibição do
trabalhador reclamar de demissão na Justiça do Trabalho
assim como proibição de greve dos servidores, e a liberação
da terceirização de todas as atividades – além das
privatizações e entrega do patrimônio do subsolo brasileiro
– recursos hídricos, minerais e pré-sal – pode-se esperar
uma grande reação de parte da população brasileira. Não se
sabe de que força disporá um eventual governo Temer para
reprimir as muitas manifestações populares que se seguirão.
Seu instrumento institucional serão as polícias municipais e
estaduais, já que há uma incógnita quanto ao papel que as
Forças Armadas irão desempenhar.
Por outro lado, é também provável que o governo fantoche se
sirva de milícias, que seriam compostas pelos novos grupos
neonazistas que vêm sendo organizados e por antigos
remanescentes da ditadura militar de 1964-1985.
Com o retrospecto que apresenta – Michel Temer foi
secretário de Segurança em São Paulo – o novo
quisling vai
precisar de um eficiente sistema repressivo para
garantir as medidas impopulares que adotará.
Sérvulo Siqueira |