5 de julho de
2011
Itamar Franco
Alguns episódios que marcaram a vida e a morte de Itamar Franco
representam de forma dramática a tragédia da vida política brasileira.
Tendo sido eleito para quase todos os postos públicos da nação, Itamar
era uma espécie de avis rara na nossa fauna política e foi muitas vezes
rejeitado por sua honradez, amor ao País e integridade moral.
Após
não conseguir a legenda do PMDB para sua candidatura ao governo de Minas
Gerais e de perder a eleição concorrendo pelo Partido Liberal contra
Newton Cardoso, cujo governo seria marcado do começo ao seu final por
acusações de corrupção, Itamar foi convidado a compor a chapa de
Fernando Collor de Mello para a Presidência da República.
O
impeachment de Collor possibilitou ao político de Juiz de Fora a
oportunidade de se tornar um dos presidentes da república mais populares
da história do País mas ensejou ao mandatário que conseguiu controlar a
inflação no Brasil o poder de indicar e eleger o seu sucessor, o que
Itamar fez de forma desastrada desencadeando uma imensa tragédia
econômica no Brasil com o governo vergonhosamente entreguista e
vendilhão de Fernando Henrique Cardoso, que doou de forma clamorosa a
grupos econômicos estrangeiros e nacionais uma grande parte da riqueza
acumulada às custas do sacrifício e da opressão do trabalhador
brasileiro.
Esta
decisão terminaria por se transformar em anátema para o ex-presidente já
que Fernando Henrique, um político de fala pomposa mas medíocre que já
havia perdido de forma vergonhosa a eleição à prefeitura de São Paulo
para Jânio Quadros, traiu miseravelmente o padrinho terminando por
protagonizar uma das mais grotescas cenas da vida política do nosso
Bananão Tropical: um dia após ter sido humilhado pelo então senador e
hoje ficha suja Jader Barbalho, Itamar foi constrangido a ver uma
fotografia - estampada em todos os jornais do País - em que aquele que
havia feito Presidente da República celebrava com uma espalhafatosa
gargalhada, ao lado do hoje vice-presidente Michel Temer e outros
próceres do PMDB, o fracasso de sua tentativa de se tornar mais uma vez
presidente em 1998.
O
fato representou também mais uma amarga ironia na vida deste homem que,
tendo a possibilidade de utilizar casuísmos legais e pressões de toda a
ordem para postular a sua reeleição, preferiu não fazê-lo porque isto
contrariava sua convicções políticas e morais, terminando por indicar
alguém que alguns anos depois viria a humilhá-lo publicamente.
As
traições se consumaram várias vezes, como no episódio em que - após ter
sido maciçamente escolhido governador de Minas Gerais em uma eleição
contra um candidato apoiado por Fernando Henrique Cardoso, o também
ficha suja Eduardo Azeredo - foi obrigado a aceitar acordos celebrados
na calada da noite pelo governo que saía com o então ministro da Fazenda
Pedro Malan, impondo pesadas condições de pagamento ao governo entrante
de Itamar. Diante da posição de não honrar contratos tão pouco
honoráveis o ínclito jornal O Globo chegou a publicar em primeira página
que a recusa de Itamar em não pagar as dívidas que seu antecessor havia
contraído provocaram a queda das bolsas de Nova York e de Tóquio! Na
época, Itamar chegou a lembrar a contrariedade do Doutor Roberto,
proprietário das Organizações Globo, diante de sua negativa em atender
alguns pedidos deste senhor que durante mais de 50 anos obteve favores
extravagantes do governo, chantageou politicamente com seus meios de
informação e participou da conspiração para a derrubada de um presidente
democraticamente eleito.
Hoje, após sua morte, O Globo saúda Itamar Franco como o pai do Plano
Real mas até pouco tempo, seu nome era raramente lembrado. Em uma
entrevista concedida há apenas 10 dias, Fernando Henrique Cardoso sequer
mencionou o nome de seu padrinho político e grande eleitor para a
Presidência da República. A História certamente fará justiça a Itamar e
a Ciro Gomes, aqueles que garantiram a estabilidade financeira que o
Brasil necessitava.
Durante o velório do ex-presidente, cenas grotescas e macabras revelaram
mais uma vez a tragédia da nossa vida política, expressando a
circunstância de um país como o Brasil, com tantas possibilidades de se
tornar uma grande potência histórica, ser conduzido por pessoas tão
mesquinhas, vis e inescrupulosas. Em Belo Horizonte, durante a última
homenagem que lhe foi prestada, assistiu-se a um ritual sinistro em que
políticos sem nenhuma honorabilidade se acotovelavam para demonstrar uma
lealdade que nunca tiveram a um homem de caráter e de integridade moral.
À tristeza pela perda de uma personalidade rara da nossa política se
somava ainda o constrangimento de compartilhar este momento de dor com
figuras que somente pretendiam se servir do acontecimento para dele
poder extrair um uso político no futuro.
Empesteado e devastado pela corrupção como um mal endêmico que não se
consegue erradicar, o Brasil vive hoje um momento espiritualmente
sombrio, que a perda de um político independente e crítico acentua ainda
mais. Uma outra figura extraordinária da nossa história recente, o
jornalista, ex-técnico da seleção e militante durante toda a sua vida do
antigo Partido Comunista Brasileiro, João Saldanha, dizia que em vista
do clima de impunidade que contamina a nossa sociedade no futuro uma
pessoa poderia se apresentar a você como um impecável ladrão, arrombador
de portas e janelas, executor de um serviço limpo e bem feito. Em
seguida, entregaria o seu cartão, que conteria telefone, endereço e –
poderíamos dizer hoje – celular e e-mail. E acrescentaria:
–
Se precisar de mim, é só chamar!
Parece que, a cada dois anos, é só o que fazemos.
No
atual quadro político brasileiro, em que os cidadãos de caráter são
vistos com receio e os cadáveres morais de sobrecasaca costumam ser
reverenciados como heróis, o legado de Itamar Franco – dadas as afrontas
que recebeu e as traições de que foi vítima – não deve ser seguido como
exemplo.
Sérvulo Siqueira |