3 de novembro de
2014
(Pré) Salve-se Quem Puder *
I. O
governo inseguro
Como
um povo colonizado durante séculos, sempre fomos condicionados a nos
submeter a um sistema ou a um governante que o representava. Éditos
reais e bulas papais determinavam os rumos e, como sempre, a inefável
Santa Madre Igreja nos incutia falsos valores cristãos, que se
convertiam rapidamente em dogmas de submissão e conformismo.
Quando esta estratégia não se mostrava suficiente, bastava que
aparecesse um comandante militar que ordenaria aos meganhas: ‒ Senta o
pau na macacada! E a ordem
voltava a reinar no terreiro.
Assim foi no final do século XVIII e XIX, quando movimentos nacionais
como a Revolução dos Alfaiates na Bahia, a Inconfidência Mineira em
Minas Gerais, a Revolução de 1817, a Confederação do Equador, a Praieira
e a Cabanada em Pernambuco, a Cabanagem no Pará, a Guerra dos Farrapos
no Rio Grande do Sul, entre muitos outros, sofreram a mão dura do
império português e da monarquia recém-instalada.
Foi
assim ‒ não por acaso ‒ que chegamos ao século 21, quando elegemos pela
primeira vez um antigo operário como Presidente da República.
Até então havíamos tido muito poucos governantes com os quais nos
identificamos emocionalmente e que reconhecemos como representativos da
brasilidade. No curto período republicano de pouco mais de um século,
somente poderiam ser lembrados Juscelino Kubitschek e João Goulart e,
principalmente, Getúlio Vargas, chamado de O Pai da Pátria e certamente
o maior estadista brasileiro.
Com
a ascensão de Luís Inácio da Silva em 2003, abriu-se uma porta para a
alteração das velhas e arcaicas estruturas sociais do país porque trazia
com ela alguém que emergia dos estratos mais baixos da nação.
De
certa forma, pode-se dizer que os programas da rede de proteção social
implementados pelo novo presidente trouxeram uma pequena movimentação no
sistema de classes. No entanto, esse processo ficou restrito a um
pequena faixa da sociedade e, estimulado por várias linhas de crédito
subsidiado, levou a um aumento do consumo mas não afetou o sistema de
poder, que continua concentrado nas mãos do capital financeiro e nos
grandes oligopólios industriais.
As
mais recentes eleições puderam demonstrar de maneira cabal como as
políticas públicas postas em prática pelos governos de Lula e Dilma
Rousseff não alteraram em nada o sistema de distribuição de forças no
nosso Bananão uma vez que todas as elites econômicas do país se
perfilaram com o candidato Aecinho Neves e quase levaram à derrota a
candidata da situação que, pelos benefícios que trouxe aos menos
favorecidos em cujas áreas chegou a ser fragorosamente derrotada,
deveria contar com um maior apoio popular.
Ao
final, graças a uma mobilização de última hora num esfacelado Partido
dos Trabalhadores e contando com o apoio de setores de esquerda que
continuam desconfiando de seu projeto neoliberal, a candidata à
reeleição conseguiu se sair vitoriosa por uma pequena margem de 3% dos
votos válidos em uma situação que ‒ dado o cenário político de contínuas
denúncias de corrupção, clara falta de governabilidade, evidentes
demonstrações de incompetência administrativa, pouca ou quase nenhuma
coordenação política e tendência de uma deriva à direita, que pode levar
à perda de apoio popular ‒
prenuncia um tempo sinistro para o futuro governo de Dilma Rousseff.
Colocada diante de um dilema hamletiano de ser ou não ser: de um lado,
conservar o mandato que já está em risco ‒ tendo para isto que abrir mão
dos projetos que propôs durante a campanha eleitoral ‒ ou afrontar o
vasto sistema de poder daqueles que manipulam os cordéis da nossa vida
econômica e política ‒ necessitando então buscar o apoio das
organizações sociais, sindicatos e partidos de esquerda, além da maioria
da população brasileira que em geral se mantém distante da política,
levando em conta a sua constante demonização pelos meios de comunicação
‒ , a nossa president(a) parece estar dando sinais de que começa a optar
pelo não ser e passa agora a lutar pela preservação de um mandato que
sequer teve início.
Os
próximos dois anos definirão a natureza do projeto de longo prazo do
nosso país: encontrar um caminho próprio, saindo de forma progressiva da
órbita dos Estados Unidos e seu eixo belicoso integrado pela Europa,
Arábia Saudita e Israel ou reassumir a sua posição de capataz do império
ianque, contribuindo para a manutenção de uma ordem colonial que já
perdura por mais de um século.
Sérvulo Siqueira
*Expressão cunhada
por Reinaldo Cotia Braga
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