Treze Poetas Impossíveis

 

Vários autores. Ebulição da Escrivatura – treze poetas impossíveis. Coletânea de poesia. Editora Civilização Brasileira. 202 pág. Cr$100.

 

Como toda coletânea, Ebulição da escrivatura – treze poetas impossíveis padece dos problemas de sua heterogeneidade, fruto de uma organização aleatória e que reflete as mais diversificadas visões de seus participantes. Circunstância que parece ser compreendida pelos autores, pois Salgado Maranhão um dos 13 explica na introdução que seus integrantes, "não podendo reunir-se em grupos para criar movimentos de grande repercussão, tiveram que produzir sozinhos seu trabalho". E acrescenta que, "obviamente, não há neste livro uma visão formal unificada, seja pelo próprio isolamento dos poetas, seja pelo processo de manufatura interna de cada um, que decorre de sua experiência individual e da maneira como esta absorve o real e o transforma em poesia". Conclui então que “essa visão transformadora é que une todos os poetas do livro numa só frente de luta, na medida em que acreditam que a poesia transforma, educa e dá prazer às pessoas".

As considerações parecem acertadas, embora sejam incompletas. Há mais em comum entre os "poetas impossíveis": desde as suas influências literárias até a construção estilística carregada de coloquialismos e aliterações. E embora tachada de experimentação formalista na introdução, a poesia concretista parece ter trazido inegável contribuição, entrevista nos constantes jogos de palavras, neologismos e paralogismos. Vista como um todo, a construção estilística dos integrantes da coletânea exibe a absorção das estruturas verbais veiculadas pela música popular e os coloquialismos, já detectados por estudiosos, como uma das características marcantes da chamada "poesia de mimeógrafo". Redundâncias e lugares-comuns que explicariam esta Ebulição da escrivatura como um desabafo poético-verbal, poucas vezes bem realizado, por poetas novos e inéditos, "no propósito de fazer seu recado chegar às mãos do público".

As similitudes não ocultam as diferenças; ao contrário, exibem-nas de forma muito mais clara: vivências dos autores, temas, preocupações. Os problemas pessoais do autor, o ensimesmamento do poeta que tematiza a sua própria condição: "tonto um poeta na praça/bate de encontro às vidraças/grita bem alto as desgraças/defronte do casario quieto", de Gil Sevalho. Ou, então, de Salgado Maranhão: "meto a cara na manhã empoeirada da metrópole./arrasto comigo um poema/em busca de palavras exatas/para ser tecido". Ou, ainda, esta indagação do poeta Mario Athayde ao funcionário: "tem sentido poetar hoje quando tudo/nada trepa pelas costas em pleno silêncio/tem? tem sentido? ou não?".

O autoquestionamento do poeta e sua contradição com a realidade exterior assumem uma constância ao longo de quase todos os trabalhos dos integrantes da coletânea, como uma poesia de ocasião que conhece a sua efemeridade. Como nestes versos de Narciso Lobo: "amigos, atenção, não sei mais/o que pretendia dizer./por certo um poema/sintético direto simples urbano./então me vem à lembrança:/está em cima da hora. devo ir à cidade/vou enfrentar engarrafamentos/inclusive de ordem política". De outra parte, muitos insistem nos trocadilhos e jogos de palavras, como neste Dupla persona, de Antonio Caos: "eu não sou malandro não/mas tenho meu modo de gingar/eu não sou bom homem/vivo no mundo/total-mente-corpo", ou em uma construção de mau gosto literário, tão desproposital quanto a aliteração criada por Sérgio Varela, autor de Unicanto em Desinverso (.'): "mas acontece/que estou mesmo é noutro páreo/noutro fuso-ovário-horário...".

Na verdade, esta avalanche de impropriedades talvez possa ser explicada a partir do título da coletânea, também um trocadilho extremamente discutível. Impropriedade que não está em consonância com a oportunidade que se apresentou e que, a despeito das deficiências em questão merece ser ampliada. Afinal, será mesmo através do aumento de publicações de poetas desconhecidos e inéditos que, de acordo com a visão dos autores, a função da poesia como elemento transformador, educador e de prazer poderá se realizar.

 

Sérvulo Siqueira

 

Resenha publicada no jornal O Globo em 27 de agosto de 1978