10 de abril de
2012
Não,
a revolução não foi transmitida porque ela derrotou um golpe de Estado
que havia sido concebido, executado e difundido pelos meios de
comunicação do país, um setor da sociedade a quem cabe a missão de
divulgar as notícias e não de fabricá-las.
Esta
estranha história aconteceu há exatamente dez anos na Venezuela. No dia
11 de abril de 2002 – após uma greve planejada por velhos pelegos do
movimento sindical com o apoio dos patrões – a polícia da prefeitura da
cidade de Caracas atirou e matou de forma organizada e seletiva diversos
partidários do governo e – a partir de uma estratégia previamente
estabelecida – responsabilizou esse mesmo governo pelas mortes.
Em
seguida, também segundo um planejamento que se supõe tenha sido
coordenado pelos governos dos Estados Unidos e da Espanha, alguns
generais golpistas foram chamados e lhes foi atribuída a incumbência de
exigir do presidente Hugo Chávez a sua renúncia. Como o mandatário não
aceitou essa imposição, foi então levado preso para uma ilha próxima ao
território continental do país.
Após
ter desfechado o golpe e como é natural nesse tipo de procedimento, os
conspiradores se lançaram – com a ferocidade de cães furiosos – à caça
de partidários do governo, prendendo-os e até matando-os com o objetivo
de aplacar qualquer resistência.
Setores remanescentes do governo que não haviam sido atingidos pela
repressão, organizaram-se rapidamente e convocaram as organizações
populares espalhadas por todo o país, que responderam prontamente.
Dois
dias depois, em 13 de abril de 2002, uma gigantesca manifestação popular
que levou às ruas de Caracas mais de dois milhões de pessoas cercou o
palácio governamental de Miraflores, onde os golpistas haviam se
refugiado, e os expulsou de forma humilhante.
Diversos episódios envolveram a ação da horda reacionária golpista
durante esse breve período. Muitos deles são truculentos e alguns poucos
têm um toque até irônico – como o do corneteiro que recusou obedecer à
ordem de um general golpista para que executasse o seu instrumento em
honra ao recém-empossado Pedro Carmona, mais tarde cognominado de
“Pedro, o Breve” – alegando que não o faria porque somente receberia
ordens do presidente da República. Conta-se que o general o advertiu em
seguida, dizendo que ele poderia perder a sua posição. O soldado teria
respondido ao general:
– O
senhor é que poderá perder a sua posição quando o presidente retornar!
O
presidente finalmente voltou – nos braços do povo – no dia 13 de abril e
então naquela sucessão de acontecimentos absurdos e verdadeiramente
surrealistas – dignos da fabulação de um escritor como Gabriel Garcia
Márquez – de golpes de Estado orquestrados pelos meios de comunicação,
falsas atribuições de assassinatos, mentiras propaladas pela imprensa
como a de que o presidente havia renunciado, sobreveio uma ainda mais
estranha situação. Após o retorno do presidente constitucional do país e
a sua reintegração ao poder, os meios de comunicação se recusaram a
informar o que estava acontecendo à população.
Foi
por intermédio de um órgão de informação do exterior que o mundo tomou
conhecimento que a ordem constitucional havia sido restabelecida na
Venezuela. Somente aos poucos a população dessa nação vizinha, situada
no noroeste da América do Sul, começou a saber não somente do que havia
acontecido como também do que estava ocorrendo.
Esse
fato histórico – por si só extraordinário em todas as suas
circunstâncias – marca também o início das grandes transformações porque
passa hoje a América Latina.
Tendo como pólo de irradiação um pequeno país, o caminho da nossa
América rumo à sua libertação vem se acentuado – malgrado todas as
incertezas e os golpes de Estado, que ainda continuam a existir – nos
últimos anos.
A
celebração desta grande vitória popular que ocorre no momento na
Venezuela coincide também com o início da desintegração da Organização
dos Estados Americanos (OEA), entidade fantoche que legitimou durante
toda a segunda metade do século passado os golpes de Estado – na
verdade, mais de 200 – que se abateram de forma trágica por todo o
subcontinente, uma grande parte deles sob a inspiração e coordenação dos
Estados Unidos da América.
Nesta mesma desmoralizada organização – tão desacreditada quanto as
Nações Unidas, que somente servem para legitimar as guerras promovidas
pelos Estados Unidos, Europa e Israel – vários países estarão
participando pela última vez e outros – como o Equador – já nem
participarão mais.
A
Venezuela, por sua vez, recuperada dos vários golpes e desestabilizações
porque passou, recompôs o seu desenvolvimento econômico em outras bases
e hoje pode se gabar de ser um dos países que mais reduziu a distância
entre ricos e pobres em todo o mundo.
Sérvulo Siqueira
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