3 de maio de 2019

 

 

Tambores de guerra na América Latina

 

Apesar do desejo profundo do povo venezuelano e das conclamações à paz do presidente do país, tudo indica que a Venezuela enfrentará dias muito turbulentos no futuro próximo.

O fracasso das sucessivas tentativas de tomada do poder pela oposição leva à percepção de que os Estados Unidos deverão desencadear uma operação militar – cuja escala ainda não está definida – para derrubar o governo de Nicolás Maduro e cumprir os seus propósitos de saquear o país.

Depois da autoproclamação em praça pública de Juan Guaidó, o títere indicado para assumir a presidência da rica nação sul-americana, da suposta “ajuda humanitária” que sequer entrou na Venezuela, dos frequentes apagões e da mais recente tentativa de golpe do último dia 30 de abril, todos eles frustrados pela pronta reação da população do país apoiada pelas forças armadas bolivarianas, parece não restar ao gabinete de guerra de Washington senão o recurso à ação militar aberta ou por meio da utilização de mercenários arregimentados pela Blackwater, tal como já foi inclusive anunciado por seu fundador, Erik Prince.

No momento, os estrategistas do Pentágono – velhos falcões da Guerra Fria como John Bolton, Eliott Abrams, Mike Pompeo, entre outros – iniciam uma nova fase de desestabilização do país, que consiste em fomentar divisões em seu comando político e militar por meio de desconfianças e intrigas, sempre seguindo o velho lema romano de dividir para governar.

Contam, como sempre, com o inestimável apoio dos meios de comunicação de todo o continente que – invariavelmente e de forma sórdida, como de hábito, – se prestam à disseminação de mentiras e todo o tipo de falácias.

O exemplo mais recente ocorreu durante uma entrevista do secretário de Estado norte-americano Mike Pompeo que – poucos dias após dar uma palestra no Texas em que afirmava que, durante o seu tempo como diretor da CIA, “nós mentíamos, nós trapaceávamos, nós roubávamos” – informou no dia da tentativa de golpe ao seu entrevistador da CNN que um avião se encontrava estacionado em um aeroporto de Caracas pronto para levar Nicolás Maduro como refugiado a Havana e que os russos o impediram de embarcar.

Segundo o analista Saker, de acordo com a “narrativa” provavelmente mentirosa de Mike Pompeo, o diálogo teria sido aproximadamente nestes termos:

Putin: Senhor Maduro, não se preocupe, faça o que lhe dizemos e fique onde está.

Maduro: Mas meu povo me odeia! Todos eles estão contra mim! Os militares estão apoiando o golpe!

Putin: Não, não. Tudo está sob controle. Apenas fique onde está.

Maduro: Mas a multidão vai me linchar se eu ficar!

Putin: Não se preocupe, ninguém vai incomodá-lo.

Poucos minutos depois, Maduro se dirigia à uma multidão de dezenas de milhares de pessoas e era ovacionado com frequência durante o discurso de mais de 25 minutos de duração. Não ocorreu ao entrevistador nem tampouco à unanimidade da grande imprensa norte-americana – que reproduziu sem questionamentos a conversa − buscar mais detalhes sobre este suposto avião para enviar as inúmeras equipes de reportagem que se encontram em Caracas com a missão de apurar a veracidade de uma informação tão absurda.

Completamente envolvido pelo Estado Paralelo, que controla de fato o establishment americano, o presidente Donaldo Trampo não irá dar tréguas a Nicolás Maduro e ao povo venezuelano até as próximas eleições presidenciais de novembro de 2020, quando provavelmente deverá enfrentar um adversário com propósitos tão belicosos quanto os seus, provavelmente o antigo vice-presidente de Barack Obama, Joe Biden, que poderia receber a preferência e os volumosos recursos do Deep State de seu país.

Isto explica provavelmente a ânsia de Trampo em derrubar Maduro e entregar a sua cabeça àqueles que vêm tentando iniciar um processo de impeachment contra sua administração desde a sua posse, em 2018.

É provável que outras tentativas de golpe ocorrerão e as novas táticas poderão adotar ações militares ostensivas que levem a uma guerra civil, com repercussões para toda a América Latina. Como também teremos este  ano eleições presidenciais na Bolívia e na Argentina, há o risco de uma radicalização política, especialmente se a ex-presidente Cristina Kirchner e Evo Morales participaram do processo, o que provavelmente deverá ocorrer.

Nada disto faz certamente a menor diferença para os propósitos dos nossos vizinhos de hemisfério, apenas quando seus intentos de se apoderar dos recursos dos países da região são ameaçados pela China ou pela Rússia e aí, é claro, eles se lembram da velha Doutrina Monroe, uma antiquada concepção do século 19 que serviu de pretexto para a sua dominação da América Latina e alavancou a Diplomacia da Canhoneira de Theodore Roosevelt. Hoje, ninguém dá mais importância a este palavrório vazio e a sua lembrança pela figura grotesca de John Bolton somente acrescentou um toque ainda mais ridículo aos propósitos golpistas dos americanos na Venezuela.

A despeito desta atmosfera de pouca respeitabilidade, a capacidade destrutiva militar norte-americana tem se revelado como verdadeiramente eficaz quando se trata especialmente de bombardeios aéreos, como mostram a aniquilação de mais de 60% da Coreia do Norte de 1950 a 1953, as armas químicas despejadas no Vietnã e que destruíram grande parte de seu território, as centenas de escolas e hospitais arrasados na Iugoslávia em 1999, e os milhões de mortos resultantes das invasões do Iraque, Afeganistão, Líbia e Síria.

Muitos analistas não acreditam que os US of A irão arregimentar toda esta força para liquidar uma possível resistência na Venezuela – até porque o custo político poderá ser muito elevado – e a maioria tende a acreditar que os nossos vizinhos do Caribe sofrerão uma guerra de desgaste de longo prazo. É provável que, por enquanto, o império americano – no momento em falta de recursos − continue a recorrer a táticas de guerra de baixa de intensidade e a novas tentativas de golpe, que poderão envolver inclusive assassinatos programados.

Até mesmo os chefes militares do Pentágono acreditam que uma campanha militar apoiada sobre um ataque de larga escala com bombardeios aéreos iria produzir um sentimento de revolta e indignação que, por supuesto, comprometeria os governos lacaios – Argentina, Paraguai, Brasil, Chile e Peru – além da Colômbia, que seria diretamente afetada e correria o risco de enfrentar uma nova guerra civil.

Não bastasse as vitórias de Macri, Piñera, Bolsonaro e de outras propostas de extrema-direita na América Latina, vivemos agora a perspectiva de uma guerra de longo prazo na região. Desgraçadamente para toda a humanidade, a única possibilidade de que isto não ocorra reside na instância de que o genocida Netanyahu e o lobby sionista dos States resolvam exercer a sua enorme influência sobre o establishment norte-americano e instiguem uma guerra contra o Irã. Se isto acontecer, os gringos poderiam então optar por seus aliados no Oriente Próximo e despejar as suas bombas por lá.

Neste caso, a guerra poderá ser ainda maior.

Sérvulo Siqueira