2 de maio de
2013
A América Latina continuará a ser o quintal dos Estados Unidos?
Depois de ter eliminado Hugo Chávez − por meio de um diabólico plano −
os Estados Unidos e seus aliados na Europa e em Israel jogam todas as
fichas na derrubada de seu sucessor, Nicolás Maduro.
Assim como já aconteceu em outros países da região, a Venezuela é hoje o
cenário onde se defrontam dois projetos radicalmente diferentes para a
América Latina. Opondo-se ao projeto bolivariano de Chávez e Maduro,
perfilam-se aqueles que pretendem forçar por todos os meios um retorno à
velha ordem que perdurava no país até 1999, quando Chávez foi eleito
pela primeira vez: são eles, entre outros, entidades do governo
americano de "apoio à democracia e à livre empresa", ONGs financiadas
pela CIA, meios de comunicação que disseminam a mentira e o medo e,
naturalmente, os velhos capachos e sequazes do imperialismo ianque
representados por seus testas de ferro, os traficantes da droga que os
americanos consomem, bancos que lavam dinheiro, sabotadores e
especialistas em terrorismo como Posada Carriles, anticastristas
expatriados, chefes de esquadrões da morte como Álvaro Uribe, além de
notórios fascistas como José María Aznar e Mario Vargas Llosa.
Tamanha é a magnitude do plano contra o povo venezuelano que a lista
reúne praticamente todo o arco da direita mundial, compreendendo Barack
Obama e o sinistro genocida Benjamin Netanyahu, já que o governo de
Nicolás Maduro vem se mantendo solidário com o povo palestino.
No momento, depois de uma reunião realizada em Córdoba, na Argentina,
durante o último mês de março, aperfeiçoam seus planos de tomada de
poder. Depois de terem cumprido a promessa − feita antes das eleições −
de não reconhecer o resultado, de ter atacado postos de saúde, mercados
de alimentação, residências de governadores e sedes do partido do
governo, em atos que causaram a morte de 10 pessoas e ferimentos em mais
de uma centena, assumiram momentaneamente uma posição menos agressiva
mas já parecem ter recuperado sua violência habitual.
Sua estratégia consiste em demonizar por todos os meios o governo e,
para isto, adotam as seguintes táticas:
1. Como a oposição ao chavismo
tem sua força principalmente nos meios de comunicação, a primeira tática
antigovernamental é desconhecer a existência do próprio governo, fazer
de conta que o ente não existe e não noticiar as suas realizações, os
eventos públicos, etc.
2. Passa-se então à criação de uma atmosfera de ingovernabilidade, que
sugira uma situação de caos iminente, por meios de panelaços, agitações
de rua que levem à interdição de espaços públicos onde a polícia tenha
que intervir para restabelecer a ordem.
3. Uma vez que isso acontece, há sempre o risco de que alguma autoridade
policial se exceda em suas atribuições, o que oferece aos agentes
provocadores previamente treinados a oportunidade para a denúncia da
violência que provocaram. Este fato ocorreu ontem na Assembleia
Nacional, quando um grupo de deputados de tendência claramente fascista
provocou um enfrentamento com parlamentares partidários do governo − que
são maioria na Casa − espancando e pisoteando inclusive uma
representante popular. Mais tarde, um dos provocadores − cujo semblante
lembra os militantes fascistas do Comando de Caça aos Comunistas do
Brasil nos anos 60 e 70 − se mostrou na televisão com
cosméticas marcas de sangue e
manchas roxas nos olhos que pareceram ter sido fabricadas para a
exposição.
4. Em conjunto com outros claros atos de desestabilização como as
sabotagens elétricas e o desabastecimento de gêneros alimentícios, essa
estratégia visa criar as condições para uma ampla pressão popular que
leve a um pronunciamiento
militar, tal como aconteceu por um brevíssimo período em abril de 2002.
Até o momento, as Forças Nacionais Bolivarianas, renovadas por Hugo
Chávez e imbuídas de um propósito integrado ao projeto político de seu
sucessor não têm demonstrado ser sensíveis aos apelos dos golpistas que
por sua vida pregressa − manchada por atos de corrupção e de violência −
não desfrutam de popularidade entre a população e nem da confiança do
estamento militar. Com sua pregação deliberada da violência, o atual
líder do processo golpista em curso, Henrique Capriles Radonski, sabe
que corre o risco de se desmoralizar e perder o prestígio que conquistou
nas últimas eleições, em razão de uma postura que vem se revelando
falsa, mentirosa e oportunista.
Sem um projeto de governo que possa conquistar o apoio popular e não
podendo revelar suas verdadeiras intenções sob pena de se desmoralizar
por completo, a oposição venezuelana depende cada vez mais do apoio dos
Estados Unidos, de Israel e dos grupos paramilitares colombianos
comandados pelo ex-presidente Álvaro Uribe para criar um clima de
desordem e ingovernabilidade. Seu principal instrumento são os meios de
comunicação, que se encarregam de difundir de forma permanente notícias
falsas e de incutir uma atmosfera de insegurança e medo na população.
Naturalmente, escondem que o estado de Miranda, governado pelo candidato
opositor Capriles Radonski, é aquele onde se verifica a maior incidência
de violência.
Desde o final do século 19 e ao longo de todo o século 20, os Estados
Unidos se acostumaram a tratar a América Latina como o seu quintal − o
seu patio trasero, como se
referem os noticiários em espanhol − e a enviar para cá toda a sorte de
piratas, flibusteiros, expedições punitivas e frotas militares
desencadeando os mais variados golpes militares e civis que, por sua
vez, causaram guerras civis, devastação econômica, miséria e pobreza
durante quase todo o século. Justamente no final desse período começaram
a surgir, a princípio na América do Sul e depois ao longo de toda a
região, alguns governos que se mostraram mais preocupados com a sorte da
população do que em servir aos interesses dos velhos senhores ianques.
Desde o governo de Néstor Kirchner na Argentina, que herdou um país em
bancarrota e pôde soerguê-lo com a decisiva colaboração da Venezuela e
do Brasil, irrompeu na região um sentimento de que não estamos
condenados a ser colonizados para todo o sempre como pretendiam os
ianques e que podemos, sim, escolher outro caminho sem passar
necessariamente pelo Consenso de Washington. No Brasil, esta consciência
começou a aflorar após o governo catastrófico de Fernando Henrique
Cardoso que, verdadeiramente, estuprou o país e o entregou ao apetite
desenfreado do capital internacional.
Na história da América Latina, esta região esplendidamente aquinhoada
pela natureza com terras para plantação, riquezas minerais e os mais
diversificados sistemas ecológicos e que foi submetida por cinco séculos
ao mais brutal saque dos colonizadores espanhóis, portugueses,
franceses, holandeses, ingleses e norte-americanos, todos os momentos
são extraordinariamente dramáticos mas este que está sendo vivido no
momento na Venezuela − por sua contemporaneidade, os valores
emblemáticos que comporta e as possibilidades que abre para o futuro −
carrega um valor ainda mais elevado.
Que não nos iludamos nem por um momento sequer: ou avançamos − mesmo que
seja aos trancos e barrancos, como dizia Darcy Ribeiro − ou
permaneceremos como o velho quintal onde os brancos mais ricos vinham no
passado se locupletar de riquezas: terras para a produção de alimentos,
petróleo para seus carros velozes, minerais para suas indústrias e
máquinas de guerra, lindas praias para os folguedos das férias e belas
mulheres para seus apetites de
boudoir. Em troca, costumavam deixar capatazes para administrar seus
negócios e uma pequena gorjeta para conquistar a subserviência dos
serviçais.
Dada a consciência que adquirimos com o nosso próprio sofrimento e a
visível decadência do colonizador, é quase certo que estes tempos não
mais voltarão.
Sérvulo Siqueira |